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Veterinary Focus

Número da edição 28.1 Outros conteúdos científicos

Como abordar... Podermatite canina

Publicado 27/10/2021

Escrito por Rosanna Marsella

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Polski , Русский , Español e English

À primeira vista, pode parecer simples e fácil tratar cães com dores e feridas nos pés; no entanto, se estivermos desprevenidos, podemos cometer erros e cair em armadilhas. Rosanna Marsella nos revela sua opinião pessoal do que pode ser um transtorno clínico bastante complexo e nos oferece alguns conselhos úteis para o diagnóstico e tratamento.

How I approach… Canine pododermatitis

Pontos-chave

A pododermatite canina pode ser de natureza primária ou secundária, e o médico-veterinário deve adotar uma abordagem lógica para determinar a etiologia subjacente.


Para formular o diagnóstico, é essencial identificar a distribuição e o tipo de lesões primárias.


Os ácaros Demodex sempre devem ser considerados como uma possível causa de pododermatite.


Algumas das causas de pododermatite afetam não só a pele não glabra (ou seja, com pelos), mas também as unhas, o que pode ajudar no diagnóstico diferencial da etiologia subjacente.


A pododermatite canina é uma manifestação muito comum em dermatologia veterinária, mas dada a variabilidade de sua etiologia, é importante manter uma abordagem diagnóstica lógica e ordenada para identificar com êxito a causa primária da doença. Com o diagnóstico correto, o manejo clínico se torna mais simples e mais direcionado. Não obstante, tal como acontece em muitos casos dermatológicos, as infecções secundárias e as alterações crônicas da pele muitas vezes complicam o quadro clínico, independentemente da causa subjacente; por isso, é sempre importante considerar os fatores primários, secundários e perpetuantes da pododermatite (Tabela 1).

Fatores primários

Pruriginosos

  • Dermatite atópica
  • Alergia alimentar
  • Dermatite de contato
  • Alergia à picada de pulgas
  • Demodicose
  • Dermatite por ancilostomíase1

Não pruriginosos

  • Hipotireoidismo
  • Demodicose
  • Dermatofitose1,2
  • Leishmaniose2
  • Doenças imunomediadas (p. ex., vasculite2, onicodistrofia lupoide simétrica2)
  • Doenças autoimunes (p. ex., pênfigo foliáceo)
  • Doenças metabólicas (p. ex., eritema migratório necrolítico1)
  • Neoplasias (p. ex., micose fungoide1)
Fatores secundários
  • Infecção bacteriana
  • Infecção por Malassezia
Fatores perpetuantes
  • Fibrose / formação cicatricial
  • Cistos interdigitais

Tabela 1.   Causas de pododermatite.

1  Doenças que também podem se manifestar com hiperqueratose dos coxins palmoplantares
2  Doenças que podem afetar as unhas

Embora as causas primárias da pododermatite possam ser pruriginosas ou não pruriginosas, as infecções secundárias são frequentes e costumam produzir prurido; portanto, não é raro que muitos cães com pododermatite apresentem esse sinal como uma das queixas principais da consulta. Por essa razão, é importante tratar qualquer infecção e, depois, reavaliar a presença de prurido para identificar de forma eficaz a doença desencadeante (ou seja, a origem desse sinal).

Como as lesões estão distribuídas?

As causas primárias de pododermatite afetam diretamente as mãos e os pés, embora em muitos casos outras partes do corpo também possam ser afetadas. Por isso, durante o exame físico, é relevante identificar a distribuição das lesões. Isso facilita a classificação adequada dos diferentes diagnósticos diferenciais por ordem de probabilidade.

Alguns transtornos afetam as quatro extremidades, enquanto outros acometem apenas as extremidades anteriores (dianteiras), ao menos inicialmente. Por exemplo, a dermatite de contato afeta as mãos e os pés, ao passo que a dermatite atópica geralmente começa nas mãos e depois evolui para as quatro patas. Por outro lado, a alergia à picada de pulgas tende a afetar principalmente as extremidades posteriores.

Qual o aspecto das lesões primárias?

Figure 1. Pruritic papules on the palmar-plantar aspect of all four feet is a typical clinical presentation if a carpet or a grass causes a contact allergy. © Rosanna Marsella
Figura 1. As pápulas pruriginosas no aspecto palmoplantar de todas as quatro extremidades são uma manifestação clínica típica de dermatite de contato por tapetes, carpetes ou gramas. © Rosanna Marsella

É importante conhecer o tipo de lesões primárias associadas a cada doença (p. ex., pápulas, pústulas, bolhas). Por exemplo, a dermatite de contato está relacionada com erupção papular primária. Se a dermatite alérgica de contato for a carpetes, tapetes ou gramas, a manifestação clínica esperada será a presença de pápulas pruriginosas no aspecto palmoplantar das quatro extremidades 1.Outras áreas de contato que também podem ser acometidas são o focinho, a região perineal e o abdômen ventral (Figuras 1 e 2).

Figure 2a. Another contact area that is also frequently affected is the muzzle. © Rosanna Marsella
Figura 2a. Outras áreas de contato que também são frequentemente afetadas são o focinho (a) e o abdômen ventral (b). © Rosanna Marsella
Figure 2b. Another contact area that is also frequently affected is the ventral abdomen. © Rosanna Marsella
Figura 2b. Outras áreas de contato que também são frequentemente afetadas são o focinho (a) e o abdômen ventral (b). © Rosanna Marsella
Um exemplo de pústula como lesão primária é o pênfigo foliáceo. Como as pústulas são frágeis, muitos pacientes apresentam crostas como resquícios de pústulas secas (Figura 3). O pênfigo foliáceo em cães tipicamente afeta a face (com um padrão em “borboleta” que se estende sobre a região periocular, a ponte nasal e o próprio nariz) e o aspecto interno do pavilhão auricular 2. Nos coxins palmoplantares, podem-se observar camadas de pústulas secas (Figura 4), especialmente nas bordas dos coxins.
Figure 3. A dog with pemphigus foliaceus. As the pustules are fragile, crusts (remnants of dried up pustules) may be seen. © Rosanna Marsella
Figura 3. Cão com pênfigo foliáceo. Como as pústulas são frágeis e se rompem, podem-se observar crostas (resquícios de pústulas secas) no local. © Rosanna Marsella
Figure 4. Layers of dry pustules may be noticeable on the footpads if a dog has pemphigus foliaceus. © Rosanna Marsella
Figura 4. No cão com pênfigo foliáceo, é possível observar camadas de pústulas secas sobre os coxins palmoplantares. © Rosanna Marsella
Outra causa primária de pododermatite bastante significativa é a infestação pelo ácaro Demodex. De fato, a demodicose sempre deve ser incluída na lista de diagnósticos diferenciais da pododermatite canina 3, pois essa sarna pode se manifestar de diversas maneiras. A demodicose pode se manifestar com eritema e prurido, exibindo um aspecto muito semelhante a uma alergia nas patas; além disso, muitos cães acometidos apresentam prurido na face, o que pode ser facilmente confundido com alergia (Figura 5). Por causa disso, sempre que se observar prurido em qualquer uma das patas, deve-se realizar um raspado cutâneo para a pesquisa de Demodex spp. antes de assumir que se trata de um processo alérgico e antes de iniciar o tratamento com glicocorticoides ou oclacitinibe. Outra manifestação da demodicose são os comedões (Figura 6); essas lesões apresentam uma coloração cinza característica e se formam em consequência da obstrução dos folículos pilosos pela grande quantidade de ácaros. A presença desses comedões sempre deve alertar o médico-veterinário para a realização de um raspado cutâneo; entretanto, se a área afetada apresentar muito edema e dor (Figura 7), pode-se considerar a obtenção de pelos, levando em conta que a sensibilidade dos pelos arrancados é inferior à do raspado profundo da pele. Como resultado da foliculite, a maioria dos cães afetados, mas nem todos, apresenta perda de pelos. Curiosamente, as raças de pelo longo, como Yorkshire Terrier e Maltês, não parecem desenvolver alopecia com tanta frequência quanto as raças de pelo curto.

Figure 5. A dog with Demodex mange. Many affected dogs have a pruritic face and can easily be mistaken as being allergic. © Rosanna Marsella
Figura 5. Cão com sarna demodécica. Muitos cães acometidos apresentam prurido na face, o que pode ser facilmente confundido com um quadro alérgico. © Rosanna Marsella
Figue 6. Many dogs with demodicosis develop comedones, with a characteristic gray discoloration. © Rosanna Marsella
Figura 6. Muitos cães com demodicose desenvolvem comedões, com uma coloração cinza característica. © Rosanna Marsella
Figure 7. Some dogs with demodicosis develop extremely painful interdigital lesions. © Rosanna Marsella
Figura 7. Alguns cães com demodicose desenvolvem lesões interdigitais extremamente dolorosas. © Rosanna Marsella

O que mais ajuda no diagnóstico?

Ao se considerar outras possíveis causas de pododermatite, é importante lembrar que algumas doenças envolvem tanto a pele com pelos como os coxins, enquanto outras não. Por exemplo, a dermatite atópica afeta exclusivamente a pele com pelos, mas as doenças autoimunes como o pênfigo foliáceo também podem afetar os coxins e se manifestar com crostas e hiperqueratose. Existem muitos diagnósticos diferenciais para a pododermatite e a hiperqueratose. Um dos mais relevantes é a dermatite necrolítica superficial, que compromete tanto os coxins como outras áreas do corpo, como a região genital e as comissuras labiais (Figuras 8 e 9) 4. A dermatite necrolítica superficial é uma doença de animais geriátricos e está associada a uma disfunção metabólica e à deficiência de aminoácidos. Nessa doença, os coxins exibem rachaduras e fissuras, em vez das camadas secas de pústulas observadas no pênfigo. O aspecto e a distribuição das lesões, bem como a idade do paciente, são indícios que ajudam o médico-veterinário a classificar as doenças e a priorizar entre a possibilidade de pênfigo foliáceo ou dermatite necrolítica superficial.

Rosanna Marsella

A distribuição e o aspecto das lesões, juntamente com a presença ou ausência de prurido, são indicativos da possível etiologia subjacente.

Rosanna Marsella

Figure 8. A dog with superficial necrolytic dermatitis. The footpads in this disease show cracking and fissures rather than dry layers of pustules as in the case of pemphigus. © Rosanna Marsella
Figura 8. Cão com dermatite necrolítica superficial. Nessa doença, os coxins exibem rachaduras e fissuras, em vez de camadas secas de pústulas, como ocorre no pênfigo. © Rosanna Marsella
Figure 9. Superficial necrolytic dermatitis can also target the commissures of the mouth (a) and the genitalia (b). © Rosanna Marsella
Figura 9. A dermatite necrolítica superficial também pode afetar as comissuras labiais (a) e a região genital (b). © Rosanna Marsella

Em ambas as enfermidades, a biopsia cutânea é diagnóstica; por isso, deve-se enfatizar a importância de se obter um diagnóstico definitivo mediante a biopsia, em vez de simplesmente confiar na impressão clínica, uma vez que os tratamentos dessas doenças são completamente diferentes. No pênfigo foliáceo, células acantolíticas e pústulas superficiais são as características diferenciais dessa doença, enquanto paraqueratose, espongiose e hiperplasia epidérmica da camada de células basais (camadas “vermelha-branca-azul”) são consideradas como achados característicos da dermatite necrolítica superficial. O tratamento-padrão do pênfigo baseia-se na administração de glicocorticoides e de outros agentes imunossupressores, ao passo que na dermatite necrolítica superficial os glicocorticoides são geralmente contraindicados, pois muitos cães acometidos são diabéticos e estão no limite da diabetes. Nesses casos, é essencial pesquisar a doença metabólica subjacente e instituir a terapia nutricional adequada com aminoácidos, zinco e ácidos graxos essenciais.

Figure 10. Some cases of Trychophyton infection can develop dramatic lesions which may look very similar to pemphigus foliaceus clinically. © Rosanna Marsella
Figura 10. Em alguns casos de infecção por Trychophyton, podem aparecer grandes lesões muito semelhantes às do pênfigo foliáceo em termos clínicos. © Rosanna Marsella

Vale destacar que as células acantolíticas, tradicionalmente consideradas como uma característica distintiva do pênfigo, também podem estar presentes em outras doenças, como dermatite alérgica de contato e dermatofitose. Em qualquer doença em que se desenvolve um infiltrado inflamatório neutrofílico intenso, pode ocorrer acantólise como consequência do efeito proteolítico dos neutrófilos degenerados. No diagnóstico diferencial, é importante levar em conta que alguns casos de Trychophyton podem ser clinicamente semelhantes ao pênfigo foliáceo (Figura 10); caso o diagnóstico de dermatofitose seja confundido com o de pênfigo, isso pode ocasionar problemas, uma vez que os glicocorticoides não são indicados para o tratamento da dermatofitose. Nesses pacientes, é necessário instituir uma terapia antifúngica sistêmica de vários meses de duração; nesse caso, o itraconazol (5 mg/kg VO a cada 24 horas) é o medicamento de eleição, pois se concentra na queratina e tem atividade residual após a descontinuação da terapia. A terbinafina (20 mg/kg VO a cada 12 horas) também é uma excelente opção, em virtude de suas propriedades queratinofílicas e da capacidade de persistir na queratina por longos períodos de tempo.

O que mais pode afetar as patas?

Figure 11. Vasculitis typically presents on the feet with ulcers in the center of the pads. © Rosanna Marsella
Figura 11. A apresentação típica da vasculite é o aparecimento de úlceras no centro dos coxins palmoplantares. © Rosanna Marsella

Outras doenças que podem envolver os pés e as mãos dos cães são síndromes como vasculite e eritema multiforme. A vasculite é uma hipersensibilidade do tipo III que, além de ser atribuída a inúmeras causas possíveis, é desencadeada por diversos estímulos antigênicos 5. O depósito de imunocomplexos pode ocorrer nas mãos, nos pés e nas orelhas, bem como em outras áreas do corpo. Essa síndrome pode ser induzida por fármacos, vacinas ou infecções, como doenças transmitidas por carrapatos. Nas extremidades, é típica a presença de úlceras no centro dos coxins (Figura 11); o tamanho da úlcera depende da gravidade e do tamanho dos vasos sanguíneos acometidos. O diagnóstico baseia-se na apresentação clínica e na biopsia de uma lesão precoce. É importante que o médico-veterinário identifique e trate (se possível) a causa subjacente. Em muitos casos, é necessário o uso de glicocorticoides em doses imunossupressoras em combinação com a pentoxifilina, e alguns pacientes necessitam de tratamento prolongado para anular a resposta imunológica por completo.

Figure 12. The classic lesions of erythema multiforme are erythematous macules with a paler central area; they can affect many areas of the body, including the feet. © Rosanna Marsella
Figura 12. As lesões clássicas do eritema multiforme são máculas eritematosas com uma área central mais pálida; essas lesões podem afetar muitas áreas do corpo, incluindo os pés e as mãos. © Rosanna Marsella

O eritema multiforme também deve ser incluído na categoria de doenças imunomediadas capazes de causar pododermatite. Trata-se mais de uma síndrome clínica do que de um diagnóstico específico e, mais uma vez, é necessário que o médico-veterinário identifique a causa desencadeante para ter êxito no tratamento. As lesões típicas são máculas eritematosas com uma área central mais pálida (Figura 12); essas lesões podem aparecer em muitas áreas do corpo, incluindo as patas. É importante obter um histórico clínico detalhado de medicamentos e vacinas administrados, lembrando que os fármacos podem desencadear esse tipo de reação cutânea, mesmo se foram bem tolerados previamente. O diagnóstico definitivo é obtido através de biopsia, em que se evidenciam células apoptóticas individuais. De modo geral, institui-se uma terapia imunossupressora, juntamente com o tratamento da causa desencadeante.

Não ignore as unhas!

Algumas causas de pododermatite não só afetam a pele com pelos, mas também as unhas 6. Podem ser observadas algumas alterações na estrutura normal da unha (Tabela 2). Os dois exemplos típicos são a onicodistrofia lupoide simétrica e a dermatofitose (Figura 13). Caso se observe onicogrifose (hipertrofia e curvatura anormal da unha), deve-se considerar a leishmaniose em partes do mundo onde essa enfermidade está presente. Na Tabela 3, há uma lista mais completa das doenças que podem se manifestar em caso de pododermatite com envolvimento das unhas.

Figure 13. Microsporum gypseum infection in two dogs; some cases of dermatophytosis can involve the nails, with secondary pododermatitis. © Rosanna Marsella
Figura 13. Infecção por Microsporum gypseum em dois cães; em alguns casos, a dermatofitose pode envolver as unhas, com pododermatite secundária. © Rosanna Marsella

Onicoclasia
Rotura ou quebra da unha
Onicocriptose
Unha encravada
Onicodistrofia
Formação anormal da unha
Onicogrifose
Hipertrofia e curvatura anormal da unha
Onicomadese
Destacamento ou desprendimento da unha
Onicomalacia
Amolecimento da unha
Onicorréxis
Estrias longitudinais associadas à fragilidade e quebra da unha
Onicosquizia
Fragmentação e/ou separação das lâminas da unha (em geral, com início na porção distal)
Paroníquia
Inflamação da prega ungueal
Tabela 2. Terminologia das anomalias comuns das unhas.

 

Lesões simétricas
  • Dermatofitose
  • Onicodistrofia lupoide simétrica
  • Inflamação que se estende ao leito ungueal:
    • bacteriana
    • demodicose
    • autoimune (p. ex., pênfigo)
    • erupções medicamentosas
    • doenças metabólicas (p. ex., eritema migratório necrolítico)
  • Defeitos de queratinização (p. ex., seborreia primária do Cocker spaniel)
  • Defeitos congênitos e hereditários:
    • dermatomiosite do Pastor de Shetland e do Collie
    • acrodermatite do Bull Terrier
  • Deficiência nutricional (p. ex., zinco)
  • Vasculite
  • Onicomadese idiopática (Pastor alemão, Whippet, Springer Spaniel inglês)
  • Onicodistrofia simétrica idiopática (Husky siberiano, Rhodesian Ridgeback, Dachshund)
  • Leishmaniose
  • Malassezia (mancha marrom das unhas e dos pelos que as cercam)
Lesões assimétricas
  • Bacterianas – mais comuns; sempre um problema secundário
  • Traumatismo
  • Neoplasia (p. ex., carcinoma de células escamosas, melanoma, mastocitoma, ceratoacantoma, papiloma invertido)
Tabela 3. Diagnósticos diferenciais para as doenças das unhas..

Figure 14. Symmetric lupoid onychodystrophy in young dogs. The abnormal nails are painful and friable, and slough easily. © Rosanna Marsella
Figura 14. Onicodistrofia lupoide simétrica em cães jovens. As unhas anômalas são dolorosas e friáveis, desprendendo-se com facilidade. © Rosanna Marsella

A onicodistrofia lupoide simétrica foi descrita em raças caninas como Labrador, Pastor alemão, Rottweiler e Boxer 7 e, embora tenha algumas características de lúpus, os cães acometidos não apresentam enfermidade sistêmica. De modo geral, essa onicodistrofia afeta animais jovens, em que ocorre a perda repentina das unhas (Figura 14), juntamente com dor e prurido em graus variados. Pode-se observar paroníquia. As infecções bacterianas secundárias são frequentes e contribuem para os sinais de dor e prurido. Durante a evolução natural da doença, as unhas voltam a crescer parcialmente, mas de uma forma anormal e quebradiça, e continuam a se destacar. Os resultados dos exames de sangue (hemograma completo, perfil bioquímico, anticorpos antinucleares) não são dignos de nota e, para o diagnóstico, é necessário amputar a terceira falange e realizar um estudo histopatológico. O tratamento envolve a administração de altas doses de ácidos graxos essenciais ou glicocorticoides. Embora a tetraciclina e a niacinamida sejam utilizadas em virtude de suas propriedades imunomoduladoras, nenhuma melhora pode ser observada até que transcorram alguns meses de tratamento. A pentoxifilina (15-20 mg/kg VO a cada 8 horas, administrada junto com os alimentos para minimizar os problemas gastrointestinais) demonstrou ser útil em alguns casos; a melhora pode ser atribuída a inúmeras propriedades imunomoduladoras desse fármaco. As infecções secundárias devem ser tratadas ao mesmo tempo. Em alguns casos, essa doença está associada a uma reação alimentar adversa e, por isso, alguns especialistas em dermatologia recomendam a realização de um teste de eliminação para descartar o alimento como um fator desencadeante. Em outros casos, é necessário remover a terceira falange e as unhas dos dedos acometidos.

E quanto às alterações crônicas e causas perpetuantes?

Conforme mencionado anteriormente, seja qual for a causa primária da pododermatite, pode ocorrer o surgimento de formações cicatriciais e reação típica de corpo estranho associada à queratina livre na derme, em consequência da infecção e da destruição dos folículos pilosos (furunculose). A resposta inflamatória formada contra as bactérias e os fragmentos de pelos dá origem a edema, dor e, com o passar do tempo, fibrose (Figura 15). Alguns cães tendem a desenvolver lesões císticas quando o organismo tenta isolar o material estranho (Figura 16) 8. Esses nódulos são frequentemente a origem de recidivas, pois podem atuar como ponto de partida para novos surtos de infecção. Os cães de pelo curto são mais suscetíveis a esse tipo de reação; acredita-se que os pelos curtos e pontiagudos dos espaços interdigitais conduzam mecanicamente as bactérias para a pele do lado oposto. O manejo desses casos pode ser frustrante e, em geral, requer tratamentos por longos períodos com antibióticos por via oral e banhos com agentes antimicrobianos, como clorexidina ou peróxido de benzoíla. Nesses casos, é altamente recomendável realizar uma cultura com antibiograma para identificar o antibiótico mais eficaz, embora a clindamicina ou as fluoroquinolonas geralmente sejam uma boa escolha por sua excelente penetração nas camadas profundas da derme. Além disso, em muitos casos, é útil a administração de glicocorticoides e antimicrobianos tópicos, como a mupirocina. Os glicocorticoides podem ajudar a diminuir a fibrose e a resposta inflamatória exagerada, o que às vezes dificulta a resolução da pododermatite. Também pode ser útil umedecer os nódulos com agentes que facilitem sua abertura e drenagem (p. ex., sulfato de magnésio). Nos casos graves, pode ser necessária a cirurgia a laser 9 ou a podoplastia.

Figure 15. Secondary changes in pododermatitis can involve a severe inflammatory response against bacteria and fragments of hairs, leading to swelling, pain and fibrosis. © Rosanna Marsella
Figura 15. As alterações secundárias em pododermatite podem ser atribuídas a uma resposta inflamatória acentuada contra bactérias e fragmentos de pelos, o que leva a edema, dor e fibrose. © Rosanna Marsella
Figure 16. Some dogs tend to develop cystic lesions secondary to pododermatitis as the body attempts to wall off foreign material. © Rosanna Marsella
Figura 16. Alguns cães tendem a desenvolver lesões císticas secundárias à pododermatite quando o organismo tenta isolar o material estranho. © Rosanna Marsella

Então, qual a abordagem diagnóstica?

Ao se considerar as inúmeras causas possíveis de pododermatite, a abordagem clínica inicial deve incluir, no mínimo, os exames de citologia, raspado cutâneo profundo e cultura fúngica (Tabela 4). A citologia pode ser feita com fita adesiva ou swab, dependendo do estado da pele. A pele seca é mais bem avaliada por meio de impressões com fita adesiva, enquanto as áreas de exsudato são adequadas para impressões diretas ou swabs. As amostras são facilmente coradas e analisadas quanto à presença e ao tipo de infiltrado inflamatório, bem como em relação à existência de bactérias e leveduras e, possivelmente, células acantolíticas. O diagnóstico de infecções fúngicas é feito através de cultura das unhas em Meio de Teste de Dermatófitos (lascas ou aparas obtidas das porções mais proximais das unhas).

 

Abordagem clínica para os casos de pododermatite – Primeira consulta
  • Tratar qualquer infecção secundária, com base nos resultados da citologia. Talvez haja necessidade de cultura bacteriana, em função do histórico clínico e da resposta prévia a antibióticos.
  • Realizar raspados cutâneos profundos; se positivos, iniciar o tratamento para Demodex; é preciso notar que um resultado negativo do tricograma (ou seja, exame de pelos arrancados) não permite descartar completamente a demodicose.
  • Considerar a biopsia, se necessária.
  • Efetuar cultura fúngica (Meio de Teste de Dermatófitos em pelos, pele e, possivelmente, unhas, dependendo da manifestação clínica).
  • Proceder à análise sanguínea (hemograma completo e perfil bioquímico) se indicada, especialmente em cães de idade avançada e, em particular, na suspeita de dermatite necrolítica superficial.
Abordagem clínica para os casos de pododermatite – Consulta de reavaliação
  • Se a infecção ainda estiver presente, repetir os exames de cultura e antibiograma.
  • Se a infecção tiver desaparecido, considerar as lesões primárias, elaborar a lista de diagnósticos diferenciais e formular um plano diagnóstico, com base na distribuição e na presença de prurido.
  • Lembrar que, para diagnosticar algumas condições (p. ex., doenças autoimunes, imunomediadas), é necessária a realização de biopsia; no entanto, as doenças alérgicas da pele não são diagnosticadas mediante biopsia.
  • Considerar a execução de um teste com dieta de eliminação.
Tabela 4. Os principais aspectos a serem considerados em qualquer cão com pododermatite podem ser resumidos como segue:

Em cães de idade avançada, pode-se indicar a análise sanguínea (hemograma completo e perfil bioquímico), em particular quando se suspeita de dermatite necrolítica superficial. A decisão sobre realizar ou não uma biopsia dependerá da identificação do paciente, bem como dos sinais clínicos e do histórico médico. É preciso ter em mente que algumas condições (p. ex., distúrbios autoimunes ou imunomediados) exigem a realização de biopsia para o diagnóstico, enquanto outras enfermidades (p. ex., doenças alérgicas da pele) podem não ser diagnosticadas por biopsia. Com base na distribuição e na presença de prurido, o médico-veterinário deverá elaborar a lista de diagnósticos diferenciais e determinar o plano diagnóstico.

Para abordar corretamente a pododermatite, é necessário ter bons conhecimentos sobre o assunto e identificar com precisão os fatores primários, secundários e perpetuantes. A omissão de testes básicos na avaliação inicial pode fazer com que problemas comuns passem despercebidos; além disso, é essencial tratar as infecções secundárias de forma adequada. Por fim, como muitas doenças podem ter uma apresentação clínica semelhante, é fundamental obter um diagnóstico, em vez de simplesmente tentar tratar os sinais clínicos.

Referências

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Rosanna Marsella

Rosanna Marsella

A Dra. Marsella é diplomada pelo American College of Veterinary Dermatology e Professora Titular na University of Florida. Leia mais

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