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Veterinary Focus

Número da edição 28.1 Outros conteúdos científicos

Doenças vasculares cutâneas

Publicado 04/11/2021

Escrito por Elizabeth Goodale

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Polski , Русский , Español e English

A vasculatura da pele desempenha um papel vital para garantir o funcionamento normal dos diferentes mecanismos homeostáticos. Quando algum distúrbio afeta a irrigação da pele, as consequências podem ser drásticas. Elizabeth Goodale nos mostra uma revisão dos problemas que isso pode acarretar.

Vascular skin disease

Pontos-chave

As lesões de doenças vasculares cutâneas afetam com mais frequência a pele sobre os pontos de pressão e as extremidades distais, como coxins palmoplantares, caudas, pavilhões auriculares (pinas) e escrotos.


Uma vasculite verdadeira frequentemente causa necrose e ulceração epidérmicas; além disso, os pacientes costumam apresentar uma doença sistêmica importante.


A dermatopatia isquêmica, ou vasculite com baixa celularidade, manifesta-se geralmente com lesões epidérmicas de isquemia, como alopecia e alterações do colágeno.


Há relatos de diversas vasculites familiares e síndromes de vasculopatia em várias raças caninas.


Introdução

Como o maior órgão do corpo, a pele desempenha várias funções anatômicas e fisiológicas. A vasculatura da pele é importante para a termorregulação e a cicatrização de feridas, bem como para as funções imunológica e endócrina. Para que o ciclo do folículo piloso e a renovação (turnover) da epiderme ocorram normalmente, é necessário um aporte sanguíneo adequado. A pele recebe cerca de 4% de todo o débito cardíaco, graças à sua vasculatura, composta por uma rede complexa de plexos, artérias e veias.

O plexo profundo contém as artérias principais e irriga estruturas como os tecidos subcutâneos, a derme, a porção inferior dos folículos pilosos e as glândulas sebáceas. O plexo médio é encontrado ao nível das glândulas sebáceas e irriga os músculos eretores dos pelos, a porção média dos folículos pilosos e as próprias glândulas sebáceas. O plexo superficial irriga a porção superior dos folículos pilosos e a epiderme 1. As orelhas externas, os coxins palmoplantares, os mamilos e as junções mucocutâneas (pálpebras, lábios, fossas nasais ou narinas, prepúcio, ânus e vulva) são exceções, o que pode explicar o envolvimento mais frequente desses locais em algumas doenças vasculares.

Sem um aporte sanguíneo adequado, surgem lesões cutâneas que podem variar desde alopecia até completa ulceração e necrose, dependendo do tamanho do vaso acometido e da gravidade do distúrbio. A maioria das doenças vasculares nos animais de companhia afeta principalmente os vasos de menor calibre.

Vasculite

A vasculite é uma inflamação que afeta especificamente os vasos sanguíneos e, em geral, é considerada mais um padrão de reação do que um diagnóstico definitivo. Portanto, para qualquer diagnóstico de vasculite, é necessário investigar de forma detalhada as possíveis causas ou gatilhos desencadeantes 2 3.

Os pacientes com vasculite verdadeira costumam apresentar sintomatologia sistêmica, sendo frequentes os sinais de pirexia (febre), anorexia e letargia. Apesar de haver relatos de dor, esse sinal pode ser variável. As lesões cutâneas de vasculite variam de acordo com a gravidade do comprometimento vascular e da consequente hipoxia dos tecidos. Nos casos leves, podem-se observar alopecia, eritema, edema e urticária 2 3.Nos casos mais graves, a vasculite aguda pode causar úlceras bastante delimitadas (Figura 1) ou escaras (pele desvitalizada, que é dura e fria ao toque). As áreas mais comumente acometidas incluem pavilhão auricular (pina), coxins palmoplantares, extremidade da cauda, escroto, cavidade bucal e pontos de pressão, embora as lesões também possam ser generalizadas (Figuras 2 e 3) 2 3

Severe, sharply demarcated oral ulceration due to vasculitis triggered by a drug reaction to cephalexin.
Figura 1. Ulceração bucal grave bem delimitada como consequência de uma vasculite induzida por reação medicamentosa à cefalexina. © Elizabeth Goodale
The pinnae are often affected in vasculitis cases. This dog with neutrophilic vasculitis presented with vesicles on the concave aspect of its ears.
Figura 2. A vasculite costuma afetar os pavilhões auriculares (pinas). Esse cão com vasculite neutrofílica apresentava vesículas na face côncava de suas orelhas. © Elizabeth Goodale
A case of neutrophilic vasculitis showing ulcerations and erythema in the axilla.
Figura 3. Vasculite neutrofílica exibindo úlceras e eritema na axila (a) © Elizabeth Goodale
A case of neutrophilic vasculitis showing ulceration of the lip margins and oral cavity.
Figura 3. Bem como úlceras nas margens labiais e na cavidade bucal (b). © Elizabeth Goodale
Medicamentos (p. ex., cefalosporinas, sulfonamidas, itraconazol)
Infecções bacterianas, virais, protozoárias e transmitidas por vetores
Neoplasia
Vacinas
Picadas de inseto
Reação adversa a alimentos ou hipersensibilidade alimentar
Doenças imunomediadas (e.x., lúpus eritematoso sistêmico)

Tabela 1. Possíveis gatilhos de vasculite.

Foram descritos muitos gatilhos desencadeantes de vasculite; por isso, é importante tentar identificar a etiologia de cada caso (Tabela 1). É de particular importância identificar o paciente com vasculite séptica (o que inclui vasculite causada por piodermite profunda, endocardite ou celulite), pois nesses casos os tratamentos imunossupressores estão contraindicados 3. É crucial a obtenção de um histórico completo, incluindo detalhes da alimentação, suplementos alimentares, terapias tópicas, histórico de vacinação e administração de qualquer medicamento. Além da avaliação dermatológica, deve-se realizar um exame físico geral. Exames como hemograma completo, bioquímica sanguínea, urinálise e títulos de anticorpos para doenças transmitidas por carrapatos devem ser avaliados em todos os casos.

O diagnóstico de vasculite é feito por biopsia de pele. A amostra para o exame histopatológico deve ser coletada de lesões agudas (eritema e petéquias), em vez de áreas da pele totalmente ulceradas ou necrosadas. O tecido subcutâneo deve ser incluído, porque as lesões costumam ser muito profundas. Os achados histopatológicos incluem lesão das paredes vasculares associada à inflamação; com frequência, observam-se micro-hemorragias, leucocitoclasias (núcleos fragmentados de granulócitos) e necrose. Os neutrófilos constituem o tipo celular inflamatório mais encontrado, e os vasos de menor calibre são os mais comumente afetados 2.

Opções terapêuticas

Dada a ampla gama em termos de gravidade e sinais clínicos, os protocolos terapêuticos devem ser adaptados e ajustados para cada paciente individualmente (Tabela 2). Na suspeita de reação medicamentosa, deve-se interromper o agente agressor. Sempre que possível, é necessário tratar as doenças infecciosas e neoplasias. A hipersensibilidade alimentar também pode desencadear uma vasculite (sobretudo vasculite urticariforme generalizada); nesse caso, pode ser pertinente a realização de um teste de eliminação 2

Pentoxifilina 15-30 mg/kg a cada 8-12 horas
Doxiciclina 5 mg/kg a cada 12 horas
Niacinamida 250 mg a cada 8 horas para animais com ( 10 kg, 500 mg a cada 8 horas para animais com) 10 kg
Prednisona/prednisolona 0,5-1 mg/kg a cada 24 horas
Ciclosporina 5-10 mg/kg a cada 24 horas
Azatioprina 2,2 mg/kg a cada 24 horas durante 14 dias e, em seguida, a cada 48 horas
Micofenolato de mofetila 10-20 mg/kg a cada 12 horas
Sulfassalazina 20-40 mg/kg a cada 8 horas
Dapsona 1 mg/kg a cada 24 horas
Vitamina E 200 UI a cada 12 horas para raças de pequeno porte, 400 UI a cada 12 horas para raças de médio porte, 600 UI a cada 12 horas para raças de grande porte

Tabela 2. Medicamentos comumente usados e dosagens orais para vasculites e dermatopatias isquêmicas.

Os casos idiopáticos muito leves (brandos) podem ser controlados com o uso de pentoxifilina ou uma combinação de doxiciclina e niacinamida 2.A pentofixilina é um derivado de metilxantina que aumenta a deformabilidade eritrocitária, diminui a viscosidade sanguínea e possui efeitos anti-inflamatórios. De modo geral, a pentoxifilina é bem tolerada, mas a resposta clínica pode levar de 1-3 meses. A doxiciclina (antibiótico do grupo das tetraciclinas) e a niacinamida (vitamina do complexo B) têm efeitos imunomoduladores quando administradas em combinação, embora o mecanismo exato desse efeito ainda não seja totalmente compreendido. Apesar de rara, já foi descrita uma hepatotoxicidade por doxiciclina. Essa combinação farmacológica também tem um início de ação muito lento; por isso, se houver a necessidade de uma resposta rápida, tanto a pentoxifilina como a doxiciclina/niacinamida podem ser combinadas com corticosteroides. A vitamina E também é utilizada juntamente com a doxiciclina/niacinamida.

Nos casos mais graves, pode haver a necessidade de uma terapia mais rigorosa com um início de ação mais rápido. Os glicocorticoides podem proporcionar uma melhora muito rápida dos sinais clínicos, mas devem ser utilizados com cautela em pacientes com úlceras extensas, uma vez que esses agentes retardam a cicatrização de feridas. O uso em doses anti-inflamatórias (0,5-1 mg/kg/dia) costuma ser suficiente 3.

Também se podem utilizar agentes imunossupressores secundários (i. e., fármacos poupadores de glicocorticoides, como ciclosporina ou azatioprina). A ciclosporina é utilizada para tratar dermatite atópica e vários distúrbios imunomediados, incluindo vasculite 2 3 4, embora o custo possa impedir o seu uso. Os produtos microemulsificados de marca (i. e., de nome comercial) têm melhor absorção do que as formulações genéricas e, por esse motivo, sua utilização é preferencial 4. O efeito máximo é geralmente observado após 4 semanas de administração, e os efeitos colaterais mais frequentes são os distúrbios gastrointestinais transitórios (vômitos e diarreia). Há relatos anedóticos (i. e., sem comprovação científica) de que o congelamento das cápsulas (e sua administração dessa forma, ou seja, congelada) diminui a incidência de vômitos 4 e não parece afetar a biodisponibilidade 5. A ciclosporina pode interagir com muitos fármacos; portanto, seu uso deve ser cuidadosamente avaliado quando se administram vários medicamentos.

Uma opção mais econômica de imunossupressores secundários são os antagonistas das purinas, como a azatioprina ou o micofenolato de mofetila 3 4 5 6. Os efeitos colaterais da azatioprina podem incluir hepatotoxicidade e mielossupressão (i. e., supressão da medula óssea), bem como maior risco de pancreatite; por esse motivo, há necessidade da realização de exames frequentes de sangue 3. De modo geral, é recomendável a obtenção do perfil bioquímico sérico e do hemograma completo antes do início da terapia e, uma vez iniciada, a repetição dos exames deve ser feita em 2, 4, 8 e 12 semanas. Se o fármaco for bem tolerado até esse ponto, os testes deverão ser repetidos a cada 4 meses. A resposta clínica ao tratamento pode levar de 3-6 semanas. Se presente, a hepatotoxicidade costuma aparecer nas primeiras 2-4 semanas, enquanto a mielossupressão pode se desenvolver com o uso crônico 7.

Até pouco tempo, o micofenolato de mofetila não era tão amplamente utilizado quanto a azatioprina em função de seu custo; hoje em dia, no entanto, existem produtos genéricos disponíveis e seu uso está aumentando 6. O micofenolato de mofetila tem menos efeitos colaterais quando comparado com a azatioprina, embora possa ocorrer diarreia; a ocorrência de mielossupressão é rara. Novamente, é recomendável a obtenção do perfil bioquímico sérico e do hemograma completo, mas o monitoramento intensivo não costuma ser necessário. A resposta clínica ao tratamento pode levar de 3-8 semanas.

Para os casos de vasculite neutrofílica irresponsiva a outras terapias, recomenda-se o uso de sulfonamidas (p. ex., sulfassalazina e dapsona) 2 3. As sulfonamidas interferem no sistema da mieloperoxidase dos neutrófilos, mas seu mecanismo de ação exato ainda não é completamente conhecido. De modo geral, a sulfassalazina é mais bem tolerada, mas pode causar ceratoconjuntivite seca reversível. A dapsona é associada à mielossupressão, anemia hemolítica, hepatotoxicidade, neurotoxicidade e reações de hipersensibilidade. É recomendável realizar o hemograma completo e o perfil bioquímico no início do tratamento, a cada 2-3 semanas durante os 4 primeiros meses e, depois, a cada 3-4 meses.

Tal como acontece com outras doenças cutâneas imunomediadas, os agentes secundários são utilizados na dose-padrão, com ou sem corticosteroides, até a remissão ser alcançada. A partir de então, a dose dos corticosteroides é gradativamente reduzida, em 25% a cada 2-4 semanas. O ideal é finalizar a administração do corticosteroide antes de reduzir a dose do agente secundário, também em 25% a cada 4 semanas, até alcançar a dose mínima eficaz ou suspender a medicação. Em alguns casos, é necessário manter doses baixas, tanto do corticosteroide como do agente secundário.

Dermatopatias isquêmicas

Nessa categoria de doenças, encontra-se um grupo de condições clínicas em que os danos isquêmicos aos tecidos resultam em lesões sem uma vasculite significativamente visível 8. Muitas vezes, emprega-se o termo “vasculite com pouca celularidade”, e os sinais clínicos mais frequentes incluem alopecia, hiper ou hipopigmentação, adelgaçamento da pele, escamas e erosões ou úlceras que demoram para cicatrizar. Essas lesões são tipicamente observadas nos pontos de pressão e nas extremidades distais. As lesões histológicas mais comuns abrangem atrofia folicular, presença de colágeno mucinoso de coloração mais pálida e fissuras na membrana basal.

Paniculite pós-vacinação antirrábica

An area of alopecia that developed after rabies vaccination. Notice the drip pattern ventrally.
Figura 4. Uma área de alopecia que se desenvolveu após a vacinação antirrábica. Observe o padrão de gotejamento ventralmente. © Dr. Stephen White

sse tipo de dermatopatia isquêmica se manifesta como uma área focal de alopecia com hiperpigmentação e, ocasionalmente, a formação de edema ou placa no local de inoculação da vacina contra a raiva (Figura 4)9. É mais comumente observada no Poodle miniatura e em outras raças de pequeno porte 8 9. Os sinais clínicos costumam aparecer 2-6 meses após a vacinação e as lesões são indolores. Muitas vezes, o diagnóstico é feito simplesmente pelos sinais clínicos, mas a biopsia revela uma vasculite com pouca celularidade, atrofia folicular e derme pálida; também pode haver uma inflamação do tecido subcutâneo (paniculite) 9. Algumas vezes, nas paredes dos vasos sanguíneos, pode-se identificar um material azul amorfo que provavelmente corresponde à composição da vacina, além de uma imunofluorescência específica para a raiva. Essas lesões são principalmente estéticas e, portanto, é rara a necessidade de tratamento; se, no entanto, as lesões se expandirem, pode-se usar a pentoxifilina. A repetição da vacina deve ser feita com cautela, pois existe a possibilidade de evolução da doença. .

Vasculopatia da margem auricular

Essa dermatopatia isquêmica, algumas vezes conhecida como necrose trombovascular proliferativa do pavilhão auricular, é relativamente frequente e afeta as margens da orelha. As lesões começam como uma área de espessamento e descamação, muitas vezes em forma de cunha, na superfície côncava do pavilhão auricular, podendo evoluir para ulceração e necrose das extremidades da orelha (Figura 5) 8.As lesões são geralmente bilaterais e podem deformar a margem auricular. Em muitos casos, a origem é idiopática, mas essa dermatopatia também pode estar associada à vacinação recente ou reação cutânea adversa a alimentos 8. Muitas vezes, o diagnóstico baseia-se exclusivamente nos sinais clínicos, em função da aparência marcante das lesões e da dificuldade de coleta de amostras de biopsia por conta da localização. No exame histopatológico, observa-se um dano tecidual isquêmico com ou sem vasculite com pouca celularidade; além disso, pode haver um grave espessamento das paredes das arteríolas. Os fármacos utilizados com mais frequência para o tratamento são a pentoxifilina, a doxiciclina/niacinamida e/ou a vitamina E. No caso de úlceras ou hemorragias, frequentemente há necessidade do uso de corticosteroides em doses anti-inflamatórias; no entanto, deve-se ter cuidado, pois esses agentes retardam a cicatrização 8.Nesses casos, pode ser aplicada a terapia tópica com uma pomada de tacrolimo a 0,1%, cujo mecanismo de ação é semelhante ao da ciclosporina, embora em cães (e em seres humanos) haja relatos de irritação e prurido no local da aplicação. Na suspeita de reação cutânea adversa a alimentos, deve-se realizar um teste com dieta de eliminação (ver página 38). Para os casos irresponsivos ao tratamento médico, a remoção cirúrgica do pavilhão auricular pode ser curativa, mas esse procedimento deve ser feito com cautela.

Pinnal margin vasculopathy causing ulcerations and a defect in the pinnal margin.
Figura 5. Vasculopatia da margem auricular em que se observa a presença de úlceras e defeito nessa margem (a) © Elizabeth Goodale
Pinnal margin vasculopathy causing thickening of the pinna.
Figura 5. Além de espessamento do pavilhão auricular (b). © Elizabeth Goodale
Elizabeth Goodale

A vasculite frequentemente causa uma síndrome clínica grave com sinais sistêmicos, úlceras e necrose cutânea, enquanto a dermatopatia isquêmica costuma ser muito mais leve com lesões resultantes de hipoxia epidérmica.

Elizabeth Goodale

Dermatopatia isquêmica generalizada

Adult onset generalized ischemic dermatopathy with significant muscle atrophy of the temporalis muscles in a Welsh Pembroke Corgi.
Figura 6. Dermatopatia isquêmica generalizada de início no adulto, em que se observa uma atrofia significativa dos músculos temporais em um cão da raça Welsh Pembroke Corgi. © Elizabeth Goodale

Essa doença de pele se manifesta com lesões generalizadas de isquemia tecidual, especialmente sobre as proeminências ósseas da face e das extremidades (parte distal dos membros, orelhas, pregas auriculares e cauda) 8 9 10. As lesões geralmente começam com alopecia, descamação e crostas e, depois, evoluem para erosões e úlceras que podem cicatrizar. O leito ungueal pode ser afetado, podendo ocorrer o destacamento ou desprendimento das unhas. Também pode haver uma miopatia acentuada que causa o aparecimento de uma atrofia muscular grave (Figura 6) 10. Do ponto de vista clínico, esses casos costumam ser indistinguíveis da dermatomiosite canina familiar (ver mais adiante). As biopsias de pele são compatíveis com uma vasculite com pouca celularidade, revelando alterações isquêmicas típicas na epiderme e derme. Essa doença pode afetar tanto animais jovens como adultos e, embora a causa seja frequentemente idiopática, ela já foi associada à vacinação 8 9 10. Infecções bacterianas secundárias podem provocar prurido, o que pode fazer com que esses casos sejam confundidos com animais alérgicos. As opções terapêuticas incluem pentoxifilina, vitamina E, doxiciclina/niacinamida ou ciclosporina, dependendo da gravidade; no entanto, geralmente se evita o uso de corticosteroides, pois esses agentes podem exacerbar a atrofia epidérmica e muscular. Se essa dermatopatia for desencadeada por alguma vacina, deve-se evitar a repetição das vacinações, uma vez que elas podem causar recidivas.

Vasculite e vasculopatias familiares

Várias síndromes de vasculite e vasculopatia familiares já foram descritas e serão brevemente abordadas a seguir.

Dermatomiosite familiar canina

Trata-se de uma dermatopatia isquêmica generalizada familiar que já foi descrita em cães das raças Border Collie, Pastor de Shetland, Pastor de Beauce (também conhecido como Beauceron), Kelpie australiano, Cão D’Água Português e Pastor Belga Tervuren 11 12 13 14 15 16. Tipicamente, os sinais clínicos aparecem antes dos 6 meses de vida, embora também haja relatos em cães adultos. Esses sinais podem variar em termos de intensidade, de leves a graves 8 11 12 13 14 15 16. Esses casos são indistinguíveis da dermatopatia isquêmica generalizada aos exames tanto clínico como histopatológico. O tratamento em ambos os casos é o mesmo.

Vasculopatia cutânea do Pastor alemão

Os cães acometidos geralmente manifestam os sinais entre 4 e 7 semanas de vida e, muitas vezes, em 7-10 dias após a primeira vacinação 17.Os sinais típicos incluem edema, despigmentação e ulceração dos coxins palmoplantares; úlceras no pavilhão auricular, na extremidade da cauda e no plano nasal; e edema sobre a ponte nasal e despigmentação nasal. A repetição de vacinas provoca a recidiva ou o agravamento dos sinais clínicos.

Os cães afetados costumam apresentar letargia e febre, podendo manifestar claudicação com articulações intumescidas. Nesses casos, não há anormalidades laboratoriais compatíveis e, em geral, os pacientes se recuperam por volta dos 5-6 meses de vida; nenhum tratamento se mostrou eficaz. A biopsia revela uma leve vasculopatia e paniculite, em que a inflamação se concentra ao redor dos feixes de colágeno degenerado 17.

Vasculite leucocitoclástica do plano nasal no Scottish Terrier

Os sinais clínicos começam com 3-4 semanas de vida e se manifestam como uma secreção nasal clara e úlceras no plano nasal; progressivamente, esses sinais se agravam, podendo culminar na destruição do plano e mucosa nasais 18. A biopsia revela a presença de inflamação piogranulomatosa, vasculite leucocitoclástica neutrofílica e necrose epidérmica. Não há nenhum tratamento eficaz descrito e, por isso, todos os cães acometidos foram submetidos à eutanásia.

CVasculite cutânea do Parson Jack Russell Terrier

Os sinais clínicos mais frequentes incluem alopecia, formação de crostas e úlceras nas proeminências ósseas, necrose cuneiforme na extremidade das orelhas e úlceras nos coxins palmoplantares 19. Em um estudo, observou-se que em 60% dos casos as lesões apareceram 2-3 semanas após a vacinação. O exame histopatológico revela a presença de vasculite leucocitoclástica, queratinócitos apoptóticos e degeneração isquêmica dos folículos pilosos. As características clínicas e histológicas são semelhantes às da dermatomiosite. Em alguns casos, o tratamento com prednisona, dapsona e/ou vitamina E tem se mostrado eficaz 19.

Arterite dérmica do filtro nasal

Nasal arteritis in a Saint Bernard.
Figura 7. Arterite nasal em um cão da raça São Bernardo. © Elizabeth Goodale

Trata-se de uma vasculite proliferativa que afeta as artérias e arteríolas dérmicas responsáveis pela irrigação do filtro nasal. Esse tipo de vasculite foi descrito principalmente em cães da raça São Bernardo, mas também no Schnauzer gigante e Basset Hound 20 21. As lesões primárias consistem em úlceras hemorrágicas encontradas exclusivamente no filtro nasal (Figura 7). O sangramento pode ser grave o suficiente a ponto de causar anemia e exigir a internação do paciente. Essa vasculopatia é tratada com sucesso por meio do uso de prednisona como dose de ataque, juntamente com doxiciclina/niacinamida, óleos de peixe e/ou fluocinolona tópica em dimetilsulfóxido 20. A terapia cirúrgica, que também é bem-sucedida, envolve a remoção do tecido afetado, a ligadura dos vasos e a reconstrução de um novo filtro nasal 21.

Vasculopatia cutânea e renal do Galgo

Essa vasculopatia afeta com mais frequência os cães da raça Galgo entre 1 e 4 anos de idade 22. As lesões geralmente aparecem no tarso, no joelho ou na coxa e começam como equimoses que evoluem para úlceras bem delimitadas e se estendem até o tecido subcutâneo. A cicatrização é lenta. Em alguns casos, também ocorrem azotemia, poliúria, polidipsia, vômitos, fezes escuras ou cor de alcatrão, salivação, pirexia e edema na parte distal dos membros. Na biopsia da pele, observa-se a presença de trombose e necrose de artérias, arteríolas, vênulas e capilares, o que dá origem a amplas áreas de necrose tecidual. Na biopsia dos rins, pode-se observar uma necrose glomerular hiperaguda, com o envolvimento das arteríolas aferentes e a formação de trombos nos capilares glomerulares. Na existência de sinais de insuficiência renal, há necessidade da instituição de fluidoterapia intensiva e cuidados de suporte; esses casos, no entanto, vêm frequentemente a óbito. Alguns sugerem que essa vasculopatia seja semelhante à síndrome hemolítica urêmica em seres humanos, causada por uma toxina tipo Shigella produzida pela Escherichia coli 22.

Doenças vasculares ambientais

Vasculopatia solar

A exposição crônica ao sol pode causar danos aos vasos presentes na superfície da derme. As lesões são mais comumente observadas em áreas de pele sem pigmentação e com poucos pelos da região dorsal do focinho e do plano nasal. Os sinas clínicos agudos incluem eritema, tumefação (inchaço), erosões ou úlceras. Com a exposição solar crônica, isso pode levar ao surgimento de cicatrizes com subsequente despigmentação. O tratamento consiste principalmente em evitar a exposição ao sol.

Criofibrinogenemia e crioglobulinemia

Trata-se de doenças muitos raras, em que a exposição a temperaturas muito baixas faz com que o fibrinogênio ou as globulinas no sangue formem trombos ou imunocomplexos, os quais se precipitam, induzindo a vasculite. Como resultado final, o fluxo sanguíneo para as extremidades é interrompido, culminando nos sinais de dor, eritema, púrpura, acrocianose e necrose. As crioglobulinas também podem ter como alvo as hemácias e causar anemia hemolítica, doença renal ou polineuropatia periférica. Essas afecções podem ser de origem primária ou secundária a infecções ou intoxicação por chumbo. O diagnóstico baseia-se na demonstração da aglutinação sanguínea a baixas temperaturas, no teste de Coombs ou na mensuração dos níveis de crioprecipitado. O manejo implica evitar a exposição a ambientes frios, corrigir a causa subjacente e, às vezes, instituir um tratamento clínico com corticosteroides ou pentoxifilina.

As doenças vasculares cutâneas afetam mais comumente a pele sobre os pontos de pressão (apoio) e as extremidades distais, como coxins palmoplantares, caudas, pavilhões auriculares e escrotos. As vasculites frequentemente provocam uma síndrome clínica grave com sinais sistêmicos, além de úlceras e necrose da pele, enquanto as dermatopatias isquêmicas são tipicamente muito mais leves, com lesões resultantes de hipoxia epidérmica. Em todos os casos, os fatores desencadeantes ou gatilhos subjacentes devem ser identificados, sempre que possível. Embora o tratamento de dermatopatias isquêmicas e vasculites empregue os mesmos fármacos, a terapia sempre deve ser ajustada e adaptada à gravidade da doença.

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Elizabeth Goodale

Elizabeth Goodale

A Dra. Goodale se formou no Ontario Veterinary College e fez estágio rotativo em pequenos animais no Western College of Veterinary Medicine em Saskatoon. Leia mais

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