Dermatite Miliar Felina
O gato com dermatite miliar é muitas vezes um caso frustrante tanto para o tutor como para o médico-veterinário.
Número da edição 28.1 Outros conteúdos científicos
Publicado 28/10/2021
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As enfermidades mais frequentes são aquelas que vemos habitualmente, mas não podemos nos esquecer de que também existem doenças raras. Neste artigo, Patricia White descreve algumas das doenças sistêmicas que podem se manifestar com sinais cutâneos e oferece alguns conselhos para a abordagem diagnóstica.
Os padrões limitados (restritos) de resposta da pele a uma enfermidade podem dificultar o reconhecimento das manifestações cutâneas de doenças sistêmicas.
Sinais clínicos que aumentam e diminuem com ou sem tratamento ou não respondem à terapia adequada devem levantar a suspeita de manifestações cutâneas de doenças sistêmicas.
A simetria e determinados padrões de distribuição sugerem uma etiologia interna, e as alterações detectadas ao exame físico geral podem ter relação com os sintomas dermatológicos.
O tratamento e o manejo das manifestações cutâneas de doenças sistêmicas podem ser vitalícios (i. e., por toda a vida); por isso, é fundamental a obtenção de um diagnóstico precoce.
Na clínica veterinária, é comum tratar os sinais dermatológicos sem identificar uma causa clara e evidente. Normalmente, o médico-veterinário obtém um breve histórico (anamnese), realiza um exame físico, trata qualquer infecção secundária e faz um diagnóstico presuntivo. Como a pele tem um número reduzido de padrões de resposta a uma lesão, existe a possibilidade de que as raras manifestações cutâneas de doenças sistêmicas passem despercebidas se o diagnóstico não for aprofundado.
Apesar de incomuns, as manifestações cutâneas de doenças sistêmicas podem se assemelhar a muitos problemas de pele comumente observados; por essa razão, é vital obter um histórico clínico completo e detalhado para reunir todas as informações ao interpretar os achados clínicos. Um histórico clínico completo inclui: idade de início e duração dos sinais; todos os medicamentos, terapias tópicas e suplementos nutricionais administrados (tanto para o pet como para o seu tutor); qualidade e composição da dieta (para verificar possíveis deficiências, suplementos homeopáticos); doenças/distúrbios concomitantes e seu tratamento; exposição a outros pets da casa ou a outros animais (creches, hotéis ou viagens); presença de prurido; resposta a tratamento específico e qualquer evidência de envolvimento de outros sistemas orgânicos.
Para identificar a presença de proliferação bacteriana ou demodicose, bem como para selecionar os cuidados de suporte necessários, sempre se devem realizar os testes de diagnóstico de rotina (raspado cutâneo, tricograma [pelos arrancados], prova de fita adesiva, esfregaço por impressão (imprint), cultura de dermatófitos) em todos os pacientes. O reconhecimento das alterações cutâneas que indicam doenças “internas” específicas permite ao médico-veterinário escolher os testes adequados para chegar ao diagnóstico definitivo e assim iniciar o tratamento ideal para esse tipo de transtornos raros. Este artigo apresenta um breve panorama de algumas doenças sistêmicas que se manifestam com sinais cutâneos.
As dermatoses paraneoplásicas se desenvolvem como consequência de neoplasias localizadas em outra parte do organismo, ou seja, o tumor em si não se encontra na pele 1. De modo geral, não se conhece a causa dessas lesões cutâneas associadas, mas é possível que se deva a um mecanismo imunomediado, ao impacto de uma proteína tumoral na pele ou à atividade de enzimas que interferem na função normal da pele. Esses pacientes podem apresentar sinais inespecíficos (vagos) de doença (letargia, perda de peso, inapetência, vômitos, diarreia), mas as alterações cutâneas indicam a existência de um problema sistêmico.
A dermatite necrolítica superficial (também conhecida como síndrome hepatocutânea, eritema necrolítico migratório ou necrose epidérmica metabólica) é uma doença rara − e, muitas vezes, fatal − que afeta cães de pequeno porte, idade avançada (> 10 anos) e ambos os sexos 2 3 4 5. Nos gatos, a dermatite necrolítica superficial é muito rara 6 7. Quanto à apresentação, os cães acometidos costumam exibir lambedura constante das patas ou dificuldade de deambulação. O histórico clínico inclui início agudo de letargia e claudicação, bem como inapetência, poliúria/polidipsia, dor cutânea, prurido e perda de peso. As lesões cutâneas geralmente são muito notáveis e consistem em ulceração e despigmentação das junções mucocutâneas, além da presença de crostas eritematosas e exsudativas sobre os pontos de pressão, incluindo cotovelos e jarretes, axilas e virilhas, e coxins palmoplantares com hiperqueratose acentuada (Figuras 1-3). Infecções secundárias por bactérias e leveduras são frequentes. Essas lesões cutâneas são indicativas de uma hepatopatia avançada ou de uma neoplasia pancreática e podem aparecer semanas ou meses antes dos sinais clínicos da doença primária. Em seres humanos, a dermatite necrolítica superficial geralmente está associada a glucagonoma, embora isso seja raro nos cães. O histórico clínico de tratamentos prévios com fármacos potencialmente hepatotóxicos (cetoconazol, rifampina, fenobarbital, etc.) pode indicar uma possível causa, mas na maioria das vezes a etiologia permanece desconhecida 2 3 4 5. Nos cães, a lista de diagnósticos diferenciais engloba pênfigo foliáceo, lúpus eritematoso sistêmico, erupção medicamentosa, dermatose responsiva ao zinco, linfoma cutâneo/micose fungoide e leishmaniose. Nos gatos, a lista de descarte (i. e., exclusão) deve incluir pênfigo foliáceo, lúpus eritematoso sistêmico, dermatite esfoliativa, alopecia paraneoplásica felina, síndrome de Cushing/síndrome de fragilidade cutânea adquirida.
Patricia D. White
A dermatite necrolítica superficial é uma condição grave e desafiadora com prognóstico mau, uma vez que a doença causal frequentemente se encontra avançada e irreversível no momento do diagnóstico. A terapia visa corrigir a doença subjacente, se possível, e fornecer os cuidados de suporte necessários. Os animais com neoplasia pancreática ou hepatopatia induzida por fármacos têm maior chance de sobrevida, desde que o tumor possa ser removido e os medicamentos retirados a tempo de o fígado se recuperar. A conduta terapêutica na hepatopatia vacuolar idiopática se limita às medidas de suporte, incluindo o tratamento das infecções cutâneas secundárias e o manejo nutricional para corrigir a deficiência de aminoácidos. A administração intravenosa de um suplemento hipertônico de aminoácidos durante um período de 6-8 horas, 1 a 2 vezes por semana até observar a melhora das lesões, pode ser benéfica em alguns casos; entretanto, caso não se observe nenhuma melhora (resposta) nas primeiras 2 semanas, é pouco provável que esse tipo de suplementação seja útil. A terapia nutricional de suporte inclui a adição de ácidos graxos ômega-3, zinco e proteínas de alta qualidade à dieta. Embora o tratamento com glicocorticoides possa produzir uma melhora temporária dos sinais cutâneos, o estado de intolerância à glicose e o risco da indução de diabetes mellitus podem fazer com que o uso desses agentes seja contraindicado.
A alopecia paraneoplásica felina se manifesta com uma alopecia não pruriginosa, rapidamente progressiva e de início agudo que afeta a porção ventral do tórax, as axilas, o abdômen, os aspectos médio-caudal das coxas com extensão para o períneo, bem como as patas e o plano nasal (Figura 4). Embora nem sempre esteja presente em todos os casos, a aparência cintilante ou brilhante da pele é clássica (característica), o que permite diferenciá-la de outras causas de alopecia. Nos limites das áreas de pele com pelo, pode haver lesões crostosas leves a moderadas; além disso, o pelo dessa região é facilmente epilável. O prurido pode estar associado à infecção por Malassezia nas bordas das crostas. Outros sinais clínicos inespecíficos (vagos) incluem a perda de peso e a inapetência. O exame histopatológico revela telogenização dos folículos pilosos (sem queratinização tricolêmica), hiperplasia da epiderme e presença de leve infiltrado de células mononucleares na derme superficial 8 9 10. Trata-se de uma afecção rara em gatos de idade avançada (> 10 anos), associada a carcinoma pancreático, colangiocarcinoma, carcinoma hepatocelular, carcinoma intestinal metastático, neoplasia pancreática neuroendócrina e plasmocitoma hepatoesplênico 8 9 10. No momento em que os sinais cutâneos são evidenciados, o tumor já sofreu metástase. Os principais diagnósticos diferenciais incluem dermatofitose, demodicose, dermatoses alérgicas, hiperadrenocorticismo, endocrinopatias da tireoide (hiper e hipotireoidismo) e dermatite esfoliativa. Em alguns casos, é possível remover o tumor, mas o prognóstico da alopecia paraneoplásica felina costuma ser grave.
A dermatite esfoliativa associada a timoma em gatos pode se manifestar como uma esfoliação difusa muito acentuada, com escamas grandes, planas e secas que se desprendem da pele em forma de caspas, o que é um sinal característico dessa doença 11 12 (Figura 5). Conforme a enfermidade evolui para uma eritrodermia generalizada, o pelo pode ser facilmente epilável e, a menos que haja proliferação de Malassezia, a condição não é pruriginosa. Os gatos acometidos estão clinicamente doentes (anoréxicos, deprimidos e magros). Embora a identificação de massa mediastínica (por radiografia/ecocardiografia torácica) reforce o diagnóstico presuntivo, a dermatite pode aparecer antes que se consiga detectar essa massa. Os achados no hemograma completo e no perfil bioquímico são variáveis e não são dignos de nota. Os achados histológicos na biopsia de pele incluem hiperqueratose ortoqueratótica difusa acentuada, dermatite de interface de baixa celularidade com degeneração hidrópica das células basais e apoptose dos queratinócitos 11 12. A patogênese da dermatose é desconhecida, mas parece envolver uma reação imunomediada (i. e., uma reação do tipo enxerto versus hospedeiro), em que as células T imunorreativas tem a pele como alvo. Os principais diagnósticos diferenciais incluem alopecia paraneoplásica felina, dermatofitose, eritema multiforme, lúpus eritematoso sistêmico, linfoma cutâneo/micose fungoide e dermatite esfoliativa não associada a timoma. O tratamento de eleição consiste na remoção do tumor no timo.
É importante incluir a dermatite esfoliativa sem timoma 12 no diagnóstico diferencial, pois esse tipo de dermatite tem um prognóstico melhor e sua abordagem terapêutica difere daquela usada na dermatite esfoliativa associada a timoma. Embora a avaliação diagnóstica seja a mesma, não se identifica a presença de tumor mediastínico e a resposta à terapia imunossupressora (ciclosporina e glicocorticoides) é boa.
Os distúrbios endócrinos se devem a um desequilíbrio (geralmente um excesso) hormonal. A apresentação dermatológica típica consiste em hipotricose (redução do número de pelos) a alopecia bilateral simétrica sem prurido 13, embora possa se observar a presença de prurido em caso de infecção secundária por bactérias ou leveduras, como resultado de alteração na função de barreira cutânea e da resposta imune. Entre as endocrinopatias mais frequentes, destacam-se os distúrbios das gônadas (hormônios sexuais), glândulas adrenais e tireoides. As alterações cutâneas são semelhantes entre si (ou seja, entre as diferentes anormalidades hormonais) e costumam ser detectadas antes que os sinais sistêmicos ou constitucionais se manifestem. A lista de diagnósticos diferenciais é elaborada de acordo com as informações obtidas na identificação do animal, bem como no histórico clínico detalhado e na avaliação dermatológica completa. Os sinais de dermatoses endócrinas incluem pelagem seca e quebradiça; alopecia simétrica não pruriginosa do tronco (os pelos da cabeça e das extremidades são frequentemente preservados); perda de pelos primários (pelagem lanosa de filhote); hiperpigmentação cutânea simétrica nas áreas onde há perda de pelos, podendo evoluir para uma forma generalizada; liquenificação, especialmente em pontos de atrito (fricção); falha de repilação dos pelos após tricotomia; e dermatite seborreica descamativa (escamosa) que pode ser seca ou oleosa 1. Essas doenças também podem ser classificadas como paraneoplásicas, pois frequentemente aparecem como consequência do excesso de hormônios produzidos por algum tumor glandular. Os distúrbios cutâneos comuns que podem se assemelhar a endocrinopatias incluem qualquer condição pruriginosa crônica que leva à alopecia, hiperpigmentação e liquenificação; dermatite por Malassezia (crônica); ou os efeitos de excesso hormonal iatrogênico.
No hiperadrenocorticismo ou na síndrome de Cushing espontânea, há um excesso de cortisol devido à presença de algum tumor hipofisário ou adrenal. Além de afetar cães de meia-idade a mais idosos, as raças Boxer, Poodle, Boston terrier, Scottish terrier e Dachshund são super-representadas 13. A secreção excessiva de cortisol exerce um efeito significativo sobre a produção de colágeno e elastina na epiderme e nos folículos pilosos. O hiperadrenocorticismo de ocorrência natural (i. e., espontâneo) pode se manifestar com poliúria/polidipsia, respiração ofegante, adelgaçamento cutâneo (pele fina e hipotônica), petéquias e equimoses na pele, hiperpigmentação cutânea, alopecia bilateral simétrica, dermatite seborreica, comedões, atrofia muscular, vasos sanguíneos proeminentes na derme e distensão abdominal “em barril” (Figuras 6-7). Cerca de 10% dos pacientes apresenta calcinose cutânea. Os pacientes podem exibir quadros concomitantes de piodermite superficial crônica recorrente, demodicose generalizada, dermatite por Malassezia ou dermatofitose, o que reflete um estado de imunossupressão. Outros efeitos do excesso de cortisol incluem diabetes mellitus, infecções recorrentes do trato urinário, pancreatite aguda e glomerulonefrite. Embora o hiperadrenocorticismo seja muito raro em gatos de idade avançada, as lesões cutâneas podem incluir perda simétrica de pelos, adelgaçamento e fragilidade da pele (com formação de equimoses e facilidade de dilaceração/ruptura), curvatura ou ondulação da extremidade das orelhas, comedões e vasculatura proeminente (Figura 8). O hiperadrenocorticismo iatrogênico pode ocorrer em cães e gatos pela administração excessiva de glicocorticoides.
Patricia D. White
No exame de sangue, frequentemente se observam diversas anormalidades 13, mas o diagnóstico é confirmado por meio do teste de estimulação com ACTH ou teste de supressão com dexametasona em doses baixas. Na ultrassonografia abdominal, pode-se observar a presença de tumor adrenal unilateral com atrofia da glândula adrenal contralateral; em caso de hiperadrenocorticismo hipófise-dependente, observa-se um espessamento bilateral das glândulas adrenais.
Apesar das alterações cutâneas típicas do hiperadrenocorticismo, alguns pacientes apresentam níveis normais de cortisol sérico 13 14 15 16 17 18. Embora vários termos tenham sido empregados para definir esses casos (síndrome semelhante à hiperplasia adrenal, desequilíbrio dos hormônios sexuais adrenais, alopecia X, síndrome de pseudoCushing), o termo mais aceito atualmente é interrupção do ciclo piloso 16 17. Essa doença afeta cães adultos (2-10 anos de idade), machos ou fêmeas, castrados ou intactos. A princípio, os animais acometidos apresentam uma perda simétrica progressiva e gradual dos pelos primários com retenção dos pelos secundários em regiões como pescoço, tronco e aspecto caudal das coxas, poupando áreas como cabeça, face e patas (Figura 9). Com o tempo, a pele fica alopécica (i. e., sem pelo), hiperpigmentada, descamativa (escamosa), seca e hipotônica. A manifestação de prurido é rara. As raças super-representadas são Lulu da Pomerânia, Chow Chow, Keeshond, Samoieda e Poodle, embora cães mestiços também possam ser afetados. Embora a patogênese ainda não tenha sido claramente determinada 14 15 , os principais diagnósticos diferenciais incluem a maioria das dermatopatias endócrinas. Apesar de diversas opções terapêuticas terem sido propostas (melatonina, mitotano, trilostano, fitoestrogênios, micropunção ou microagulhamento), a resposta é imprevisível 13 16 17 18 19. Tanto o mitotano como o trilostano podem causar supressão da adrenal; por essa razão, é preciso ter cautela com qualquer uma dessas terapias.
O hiperestrogenismo (síndrome de feminização) é o mais comum e mais grave dos desequilíbrios hormonais gonadais, podendo ser atribuído à presença de ovários policísticos, testículo retido ou tumor testicular, contato com suplementos estrogênicos do tutor ou tratamento com estrogênios para incontinência urinária. A obtenção do histórico clínico é essencial para o diagnóstico. É possível que o paciente manifeste apenas sinais dermatológicos, incluindo alopecia simétrica, hiperpigmentação cutânea do pescoço e tronco, além de dermatite seborreica e prurido secundário à proliferação de bactérias ou leveduras (Figura 10). As fêmeas podem exibir sinais de estro (cio) e hipertrofia da vulva.
Os sertolinomas (tumores das células de Sertoli) representam a neoplasia testicular mais comum que pode levar ao excesso de estrogênios no cão. Os machos podem apresentar ginecomastia, prepúcio pendular, melanose macular na virilha (Figura 11), alteração pigmentar linear e dermatose prepuciais, além de atração por outros cães machos. O excesso de estrogênios pode provocar anemia arregenerativa e trombocitopenia por mielossupressão, o que pode colocar a vida do paciente em risco; por isso, deve-se realizar um hemograma completo, sempre que houver a suspeita dessa doença. O tratamento cirúrgico para remoção da fonte de secreção excessiva do estrogênio é curativo na ausência de metástases.
As dermatopatias imunomediadas podem se manifestar de diversas maneiras e ter uma apresentação clínica muito semelhante entre si, como se fosse uma única doença. Mais uma vez, o histórico clínico detalhado, incluindo os tratamentos farmacológicos, os suplementos nutricionais, as dietas e as terapias tópicas recentes e atuais, é fundamental para obter o diagnóstico correto.
A reação cutânea adversa a medicamentos é produzida quando uma resposta negativa, nociva e não intencional ocorre como resultado da administração ou aplicação de algum fármaco ou em consequência da interação entre duas substâncias químicas ou medicações 20. Em função do mecanismo patogênico envolvido, essas respostas podem ser amplamente divididas em reações não imunológicas (dosagem excessiva, irritação, reação medicamentosa) e imunológicas (resposta autoimune ou resposta a um antígeno estranho); no entanto, não se conhece a verdadeira patogênese. As lesões podem se desenvolver com medicamentos utilizados apenas uma única vez ou várias vezes ao longo de meses ou anos. As lesões de uma reação cutânea adversa a medicamentos podem mimetizar qualquer transtorno cutâneo e sempre devem ser levadas em consideração no diagnóstico diferencial das manifestações cutâneas de doenças sistêmicas. Em um paciente com histórico clínico de alergia, pode-se pensar erroneamente em uma mera exacerbação do processo alérgico se a possibilidade de reação cutânea adversa a medicamentos não for considerada. O diagnóstico sempre deve ser reavaliado quando um tratamento de alergia que sempre funcionou em um cão ou gato repentinamente deixar de ter efeito.
Não há predisposição por idade, raça ou sexo. Embora se deva suspeitar de qualquer fármaco sob uso recente ou atual, os medicamentos mais comumente envolvidos incluem vacinas, sulfonamidas, cefalosporinas, penicilinas e carprofeno, além da aplicação tópica de inseticidas e xampus 20. Também podem estar implicados certos ingredientes da dieta. Os achados dermatológicos incluem erupções de máculas, pápulas ou pústulas; eritrodermia esfoliativa; despigmentação; dermatite pustular superficial com formação de crostas; eritema, erosões e úlceras de mucosas e junções mucocutâneas; urticária e angioedema; e necrose de espessura completa. As lesões tendem a se manifestar em áreas ventrais (axilas, virilha, genitália) (Figura 12), pontos de pressão (apoio), junções mucocutâneas e mucosas, bem como em regiões de extremidades (orelhas, coxins palmoplantares, leitos ungueais). Quando o histórico clínico descreve uma dermatite de início agudo e evolução rápida, deve-se realizar uma avaliação exaustiva o mais rápido possível para interromper a administração de fármacos imediatamente. A reação medicamentosa pode aparecer apenas na pele ou afetar vários órgãos.
O eritema multiforme e a necrólise epidérmica tóxica são duas das manifestações mais graves de erupção medicamentosa. Nos cães, acredita-se que o eritema multiforme seja uma reação de hipersensibilidade mediada por células, específica do hospedeiro e direcionada a algum estímulo antigênico 20. Ao exame clínico, as lesões de eritema multiforme consistem em máculas eritematosas planas ou elevadas com um centro mais claro que se disseminam à periferia e coalescem para dar origem a padrões anulares a serpiginosos, com ou sem crostas aderidas à superfície (Figura 12). As lesões podem aparecer em regiões como axila, virilha, cavidade bucal, junções mucocutâneas, pavilhões auriculares (pina) e coxins palmoplantares. As lesões mucocutâneas e bucais podem ser desde eritematosas a vesicobolhosas e ulcerativas. Alguns pacientes apresentam febre, fadiga e anorexia. Para confirmar o diagnóstico, é necessária a realização de biopsia de uma lesão não ulcerativa, com a epiderme intacta. As características histológicas do eritema multiforme incluem dermatite de interface de alta celularidade e apoptose de queratinócitos.
A necrólise epidérmica tóxica é uma doença ulcerativa e vesicobolhosa rara, potencialmente letal. Essa dermatopatia afeta a pele, as mucosas e a cavidade bucal, sendo causada principalmente por uma reação medicamentosa adversa 20. Há um início agudo de febre, inapetência e letargia, juntamente com erupções cutâneas, que podem envolver grande parte do corpo. A pele pode chegar a se desprender mediante a manipulação de rotina (Figuras 13 e 14). Os achados histológicos incluem necrose epidérmica de espessura completa, infiltrado dérmico mínimo ou escasso de células inflamatórias e separação entre epiderme e derme, com a consequente formação de vesículas subepidérmicas.
O tratamento das erupções medicamentosas consiste em identificar e eliminar a causa, administrar imunossupressores (glicocorticoides, ciclosporina) e imunomoduladores (niacinamida, pentoxifilina) e fornecer os devidos cuidados de suporte. Os casos mais leves podem apresentar resolução espontânea em algumas semanas, sem nenhum outro tratamento; em casos graves, no entanto, é necessária a instituição de uma terapia rigorosa.
O pênfigo foliáceo é a doença autoimune mais frequente em cães e gatos. Apesar de sua origem ser tipicamente idiopática, esse tipo de pênfigo já foi descrito como resultado de pesticidas e medicamentos tópicos, bem como em decorrência de um quadro paraneoplásico 20 21 22 23 24. A diferenciação entre pênfigo foliáceo idiopático e aquele induzido por medicamentos ou por síndrome paraneoplásica requer a obtenção de um histórico completo e minucioso. Essa distinção ditará o curso e a duração da terapia.
O pênfigo foliáceo é uma doença pustular e crostosa que afeta regiões como cabeça, face, orelhas e patas. Os principais diagnósticos diferenciais incluem piodermite, demodicose, dermatofitose e alergias com infecção secundária (Figura 15). Também podem ocorrer ulceração e despigmentação nasal e mucocutânea; nesse caso, a lista de diagnósticos diferenciais deve adicionar outras formas de pênfigo, lúpus eritematoso discoide, erupção medicamentosa, linfoma cutâneo, lúpus eritematoso sistêmico, eritema necrolítico migratório e leishmaniose. O diagnóstico é confirmado pelos achados histopatológicos típicos, ou seja, pela presença de pústulas subcorneais e intracorneais com células acantolíticas.
O pênfigo paraneoplásico apresenta características histológicas peculiares, como pústulas intraepidérmicas com células acantolíticas semelhantes ao pênfigo foliáceo, juntamente com fissuras suprabasilares, conforme observadas no pênfigo vulgar, e apoptose intraepidérmica, conforme vista no eritema multiforme. Essa tríade de achados histopatológicos justifica a investigação de uma possível origem neoplásica. Há relatos de pênfigo paraneoplásico associado a timoma, linfoma tímico ou sarcoma esplênico em 3 cães e a timoma linfocítico em 1 gato 25. A identificação da etiologia é importante para o tratamento, porque a eliminação da causa pode resultar na resolução permanente dos sinais clínicos.
Em nenhum outro caso na dermatologia veterinária, a obtenção de um histórico clínico detalhado é tão importante quanto nas manifestações cutâneas de doenças sistêmicas. Embora a realização de uma série completa de testes diagnósticos permita descartar causas óbvias (parasitose, dermatofitose, piodermite, infecção por Malassezia) e tratar determinadas lesões enquanto se elabora a lista inicial de diagnósticos diferenciais, o reconhecimento de “marcadores cutâneos” também permite identificar a etiologia das lesões. Se um paciente não responder à terapia lógica baseada nas lesões ou nos problemas cutâneos, deve-se suspeitar de alguma manifestação cutânea de doença sistêmica. Certamente, essa é a hora de parar e reavaliar o diagnóstico. É essencial voltar a analisar o histórico clínico e avaliar minuciosamente os possíveis diagnósticos diferenciais para encontrar a peça que falta do quebra-cabeça; uma vez obtido o diagnóstico correto, o tratamento é relativamente simples.
Patricia D. White
A Dra. White se formou como médica-veterinária na Faculdade de Veterinária da Tuskegee University. Leia mais
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