Revista médica e científica internacional dedicada a profissionais e estudantes de medicina veterinária.
Veterinary Focus

Número da edição 1 Comunicação

A comunicação é uma habilidade clínica (parte 5)

Publicado 28/01/2021

Escrito por Miguel Ángel Díaz , Iván López Vásquez , Cindy Adams e Antje Blättner

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Română , Español e English

Qualquer comportamento que incite o cliente a falar mais sobre o tema ou tópico que está sendo abordado é uma técnica facilitadora de comunicação.
As abordagens “Shot-put” (arremesso de peso em inglês) e “Frisbee” (disco voador em inglês) são técnicas essenciais para o desenvolvimento de uma parceria colaborativa entre o médico-veterinário e o cliente. 

 

A comunicação é uma habilidade clínica (parte 5)

Pontos-chave

As abordagens “Shot-put” (arremesso de peso em inglês) e “Frisbee” (disco voador em inglês) são técnicas essenciais para o desenvolvimento de uma parceria colaborativa entre o médico-veterinário e o cliente. 


 

Abordagens Shot-put e Frisbee


Todas as nossas tentativas de melhorar a comunicação podem se resumir em duas perspectivas básicas: a abordagem Shot-put (arremesso de peso; mensagem unidirecional lançada como se lança um peso) e a abordagem Frisbee (disco voador; mensagem bidirecional tipo conversação) (Figura 5). A abordagem Shot-put define a comunicação simplesmente como a mensagem bem concebida e bem entregue, o que coloquialmente é referida como “chegar e despejar o discurso”. Muitos de nós assistimos a palestras há anos e algumas delas não foram as melhores. Algumas das características descritas a seguir provavelmente contribuíram para isso:

O palestrante fala continuamente (ou seja, sem pausa) por 50 minutos e só está disposto a responder perguntas no final.
O palestrante usa jargões que você não consegue entender.
Você se perdeu no início da palestra e tem dificuldade para entender o que foi dito posteriormente.
Você recebe pouca ou muita informação.
Você não tem certeza de quais são os principais pontos da palestra.
Ao retornar ao trabalho e ser solicitado a resumir o que aprendeu, você não consegue se lembrar de nada do que foi dito.


Na clínica veterinária e, especialmente, quando estamos fornecendo informações ao cliente em uma consulta, podemos utilizar nossa própria experiência nas palestras mencionadas anteriormente e imaginar como nossos clientes podem estar se sentindo ao receber as informações. O impacto das palestras descritas previamente lembra a comunicação com a abordagem Shot-put. Podemos otimizar a forma de transmitir as informações e passar a usar a abordagem Frisbee, utilizando as habilidades de comunicação expostas a seguir.

Na abordagem Shot-put, a comunicação eficaz consiste no que você quer dizer ao cliente, na entrega de conteúdo ou informações e na persuasão – você prepara sua mensagem com atenção, a “lança” ou a “arremessa”, e seu trabalho está feito. O ato de “contar ou dizer” é essencial nessa abordagem e a noção de feedback não aparece. Isso se deve, em parte, ao fato de que o treinamento e/ou o padrão de comunicação se concentrou na abordagem Shot-put por muitos anos. Apenas em meados do século XX, o foco começou a mudar de uma comunicação unidirecional para uma comunicação interpessoal ou, mais informalmente, denominada abordagem Frisbee 1.
 

 

A abordagem chamada “Frisbee” é muito mais poderosa do que a do que “Shot-put”.

Figura 1. A abordagem chamada “Frisbee” é muito mais poderosa do que a do que “Shot-put” . © Manuel Fontègne

Existem dois conceitos centrais na abordagem Frisbee. O primeiro conceito envolve a confirmação, definida como os atos de reconhecer, admitir e apoiar o outro. Para esclarecer esse conceito, confirmar não equivale a concordar. Por exemplo, você pode ser totalmente contra o desejo de um cliente de encontrar outro lar para seu gato, mas pode confirmar a vontade dele simplesmente dizendo: “Percebo que o sr./a sra. se sente frustrado(a) porque Molly está urinando fora da bandeja sanitária e está pensando em buscar um novo lar para ela (porque o sr./a sra. já tentou de tudo o que falamos até agora)”.

O segundo conceito da abordagem Frisbee é o entendimento mútuo em uma área ou ponto em comum. Essa compreensão mútua, da qual duas pessoas envolvidas em uma interação sabem que compartilham, é a base necessária para a confiança e a precisão das informações trocadas. Os médicos-veterinários e clientes chegam a esse ponto em comum quando conversam entre si sobre isso. Por exemplo, um médico-veterinário pode chegar à consciência de ter um ponto em comum com um cliente aparentemente muito resistente, quando este indica que, apesar das dificuldades financeiras que está enfrentando, quer o melhor para o seu cão, com a devida consideração dos custos. Este pode ser um ponto de partida para a tomada de decisão compartilhada em relação ao paciente daqui para frente. Portanto, se a confirmação e o entendimento mútuo de um ponto em comum são importantes para uma comunicação eficaz, a abordagem Shot-put baseada na mensagem bem concebida e bem entregue é inadequada. Na abordagem Frisbee, a mensagem continua sendo importante, mas é dada uma ênfase especial à interação entre os dois lados, ao fornecimento de feedback um ao outro e à colaboração. Se a comunicação for realmente um processo interativo, a interação só poderá ser concluída se o emissor receber feedback sobre como a mensagem foi entendida. Para simplificar, devemos desenvolver e manter uma relação ao longo de toda a consulta. 

Cindy Adams

A comunicação eficaz consiste no que você deseja dizer ao cliente, na entrega de conteúdo ou informações e na persuasão.

Cindy Adams

Uma abordagem focada no relacionamento com o cliente ou o que é denominado na literatura especializada como Atendimento Médico Centrado na Relação está se tornando um padrão aceito para o relacionamento entre médico-veterinário e cliente. 

As interações concentradas na relação caracterizam-se por uma parceria em que a negociação e a tomada de decisão compartilhada são usadas de modo a levar em consideração a perspectiva do cliente e oferecer as melhores opções para o paciente. 

Para ter entendimento da perspectiva do cliente e conhecer seus interesses, necessidades, expectativas, sentimentos e crenças, podemos usar a abordagem Frisbee. Você talvez esteja pensando que a abordagem centrada no relacionamento com o cliente tomará muito tempo. As pesquisas em comunicação revelam que as consultas focadas na relação com o cliente levam menos tempo que as consultas tradicionais, com uma duração média de 10,43 minutos para as consultas concentradas no relacionamento versus 11,98 minutos para as tradicionais 2. Uma vez dominadas as habilidades essenciais para essa abordagem centrada na relação com o cliente, as consultas se tornam mais eficientes e satisfatórias, tanto para o tutor como para o médico-veterinário 3

Referências

  1. Barbour A. Making contact or making sense: Functional and dysfunctional ways of relating. Humanities Institute Lecture Series 1999-2000, University of Denver, 2000.

  2. Shaw JR, Adams CL, Bonnett BN, et al. Veterinarian-client patient communication during wellness appointments versus appointments related to a health problem in a companion animal practice. JAVMA 2008;233(10):1576-1586.

  3. Shaw JR, Adams CL, Bonnett BN, Larson S, Roter DL. Veterinarian satisfaction with companion animal visits. JAVMA 2012;240(7):832-841.

Miguel Ángel Díaz

Miguel Ángel Díaz

Miguel received a degree in Veterinary Science in 1990. After working at several clinics he opened his own clinic in 1992 Leia mais

Iván López Vásquez

Iván López Vásquez

Iván comes from a family of veterinarians; his father and older brother share the same passion. He obtained his degree from the Universidad de Concepción Leia mais

Cindy Adams

Cindy Adams

Cindy Adams é professora do Departamento de Ciências Clínicas e Diagnósticas Veterinárias na Faculdade de Medicina Veterinária da University of Calgary, onde ela desenvolveu e implementou o Clinical Communication Program (Programa de Comunicação Clínica) da nova Faculdade de Medicina Veterinária de Calgary. Leia mais

Antje Blättner

Antje Blättner

A Dra. Blättner estudou em Berlim e Munique e, depois de se formar em 1988, ela montou e administrou sua própria clínica de pequenos animais. Leia mais

Outros artigos nesta edição