Revista médica e científica internacional dedicada a profissionais e estudantes de medicina veterinária.
Veterinary Focus

Número da edição 29.3 Pâncreas exócrino

Insuficiência pancreática exócrina em cães

Publicado 11/11/2021

Escrito por María-Dolores Tabar Rodríguez

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Română , Español , English e ภาษาไทย

A insuficiência pancreática exócrina é uma doença debilitante, subdiagnosticada em cães. María-Dolores Tabar Rodríguez aborda o problema, bem como seu diagnóstico e tratamento.

Exocrine pancreatic insufficiency in dogs

Pontos-chave

A insuficiência pancreática exócrina deve ser considerada em qualquer cão com um ou mais dos sinais clínicos compatíveis, mas sobretudo se houver diarreia do intestino delgado e perda de peso.


O diagnóstico de insuficiência pancreática exócrina é essencialmente funcional, sendo formulado com base na avaliação da função do pâncreas através da mensuração da imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica.


A terapia para esses pacientes concentra-se na administração de enzimas pancreáticas, instituição de nutrição adequada e suplementação de cobalamina.


Embora nem todos os pacientes demonstrem uma resposta terapêutica ideal, o prognóstico é geralmente bom, mas requer tratamento contínuo e monitoração regular.


Introdução

A insuficiência pancreática exócrina em cães pode causar má absorção e má digestão dos alimentos, e os animais acometidos apresentam uma deterioração progressiva e grave de seu estado de saúde. O médico-veterinário deve conhecer as raças predispostas ao problema e estar familiarizado com a apresentação clínica, além de ter consciência da possível presença de doenças concomitantes. Portanto, o clínico deve ficar alerta para a possibilidade de insuficiência pancreática exócrina quando estiver diante de um cão com um ou mais dos sinais tipicamente encontrados na doença, o que permitirá o início de testes diagnósticos apropriados.

Insuficiência pancreática exócrina – uma visão geral

As doenças pancreáticas exócrinas têm uma prevalência significativa em pequenos animais, embora sejam frequentemente subdiagnosticadas. Algumas vezes, o diagnóstico pode ser complexo e complicado, em virtude de alguns fatores, tais como: (a) a presença de sinais clínicos inespecíficos, (b) a possibilidade de doenças concomitantes e (c) as dificuldades na interpretação dos resultados dos testes laboratoriais e das técnicas de diagnóstico por imagem. Os processos patológicos mais comuns do pâncreas exócrino são pancreatite e insuficiência pancreática exócrina; no entanto, a porção exócrina do pâncreas também pode ser afetada por processos neoplásicos que, apesar de raros em pequenos animais, podem ser confundidos com outras lesões, como cistos, pseudocistos ou abscessos pancreáticos.

O pâncreas exócrino é responsável pela secreção de várias substâncias que ajudam em diversas funções importantes, incluindo (i) digestão de proteínas, carboidratos e lipídios (via enzimas digestivas); (ii) como um meio auxiliar na neutralização do duodeno (via bicarbonato, cloro e água); (iii) estímulo na absorção de cobalamina (via fator intrínseco); e (iv) regulação da flora bacteriana do intestino delgado (via proteínas antibacterianas). A insuficiência pancreática exócrina é um distúrbio do trato gastrointestinal, caracterizado pela produção insuficiente de enzimas digestivas pelas células acinares do pâncreas; os sinais clínicos aparecem quando há perda de mais de 90% da função pancreática exócrina.

Causas de insuficiência pancreática exócrina

Para confirmar a etiologia subjacente da insuficiência pancreática exócrina, há necessidade de biopsia com avaliação histopatológica; portanto, na maioria dos casos, um diagnóstico simples costuma ser feito com base no histórico do paciente, bem como nos resultados dos testes laboratoriais e/ou das técnicas de diagnóstico por imagem. Contudo, os dados da literatura especializada apontam para a atrofia acinar pancreática e a pancreatite crônica como as causas mais prováveis de insuficiência pancreática exócrina canina.

Atrofia acinar pancreática

Esta é a causa mais comum de insuficiência pancreática exócrina em cães, sobretudo em raças como Pastor alemão, Rough Collie (Collie de pelo longo), Eurasier e Chow Chow 1. Os estudos conduzidos nessas raças indicam a presença de processo autoimune em indivíduos geneticamente suscetíveis, com o desenvolvimento de infiltração linfocítica progressiva e a consequente destruição gradativa do tecido acinar. A função endócrina geralmente não é afetada. Também se presume que a insuficiência pancreática exócrina seja de natureza hereditária, embora isso não seja totalmente compreendido até o momento; é provável que muitos fatores genéticos e ambientais estejam envolvidos em sua etiopatogenia 2. Na evolução da atrofia acinar pancreática, foram identificados dois estágios: uma fase subclínica e outra fase clínica. A progressão da primeira para a segunda fase é imprevisível, pois alguns cães levam anos para chegar ao estágio clínico, enquanto outros talvez nunca manifestem sinais clínicos. A fase subclínica caracteriza-se por atrofia acinar parcial, em que o cão acometido não apresenta sinais clínicos. À medida que os processos de inflamação e destruição tecidual progridem, ocorre uma grave atrofia do tecido, levando à segunda fase, em que os sinais clínicos característicos de função pancreática insuficiente se tornam aparentes. Alguns autores sugerem o termo pancreatite linfocítica atrófica imunomediada para descrever as alterações patológicas que definem a fase anterior à atrofia terminal do tecido acinar 1.

Pancreatite crônica

Esta é a causa mais frequente de insuficiência pancreática exócrina em gatos e a segunda causa mais comum em cães, sobretudo em raças como Cavalier King Charles Spaniel e Cocker Spaniel 1. Ao contrário da atrofia acinar pancreática, nos casos de pancreatite crônica, há geralmente uma destruição progressiva de ambos os tecidos do pâncreas (endócrino e exócrino). Portanto, é preciso considerar a possibilidade de diabetes mellitus, pancreatite crônica e insuficiência pancreática exócrina concomitantes nesses pacientes ou ficar atento para os sinais de insuficiência pancreática exócrina que se desenvolve após o diagnóstico de diabetes.

Hipoplasia pancreática congênita

Embora seja um distúrbio muito menos comum, há relatos de casos em filhotes caninos, alguns dos quais apresentam insuficiência endócrina e exócrina concomitante, com insuficiência pancreática exócrina e diabetes mellitus. Todavia, podem ocorrer alguns casos de atrofia acinar pancreática em uma idade muito precoce 3, tornando impossível a avaliação da causa sem a biopsia do pâncreas.

Neoplasia pancreática

Esta é uma causa muito rara de insuficiência pancreática exócrina em pequenos animais.

María-Dolores Tabar Rodríguez

A hipocobalaminemia é muito comum nos casos de insuficiência pancreática exócrina e pode se desenvolver, inclusive, em cães que já estão em tratamento com a suplementação de enzimas pancreáticas; portanto, é essencial monitorar os níveis dessa vitamina regularmente.

María-Dolores Tabar Rodríguez

Apresentação clínica

Conforme referido previamente, a insuficiência pancreática exócrina pode ocorrer em muitas raças diferentes de cães, mas é observada com maior frequência em determinadas raças, como Pastor alemão, Rough Collie, Chow Chow, Cavalier King Charles Spaniel, West Highland White Terrier e Cocker Spaniel4. Para as raças com atrofia acinar pancreática como etiologia subjacente, os sinais clínicos costumam aparecer em jovens adultos antes dos 4 anos de idade, embora em alguns casos a doença possa se desenvolver em uma fase mais tardia. No entanto, quando a causa corresponde a uma pancreatite crônica, a idade de apresentação é tipicamente maior, em torno de 7 anos. Em algumas raças, como Pastor alemão, Chow Chow e Cavalier King Charles Spaniel, observa-se uma predisposição nas fêmeas 4.

Soft, yellowish feces with the remains of undigested food particles are often seen with EPI.
Figura 1. Fezes moles e amareladas com partículas de alimento não digerido são frequentemente vistas em casos de insuficiência pancreática exócrina. © María-Dolores Tabar Rodríguez
A Giant Schnauzer with poor body condition due to EPI.
Figura 2. Cão da raça Schnauzer gigante em más condições corporais causadas por insuficiência pancreática exócrina. © María-Dolores Tabar Rodríguez
The same dog as in Figure 2 in which skin changes secondary to EPI, including seborrhea and desquamation, are obvious.
Figura 3. O mesmo cão da Figura 2, com alterações cutâneas evidentes secundárias à insuficiência pancreática exócrina, incluindo seborreia e descamação. © María-Dolores Tabar Rodríguez

 

Sinal Diarreia do intestino delgado Diarreia do intestino grosso
Frequência de defecação Normal ou um leve aumento (3-5 vezes por dia) Um aumento acentuado (> 5 vezes por dia)
Volume das fezes Volume normal ou aumentado Volume diminuído
Muco nas fezes Em geral, ausente Muitas vezes, presente
Sangue nas fezes Melena Hematoquezia
Tenesmo Ausente Com frequência, presente
Urgência Não Sim
Esteatorreia Ocasionalmente Ausente
Perda de peso Frequente Pouco frequente
Tabela 1. Diferenciação entre diarreias do intestino delgado e do intestino grosso.

Os sinais clínicos mais característicos consistem em um aumento na frequência e no volume das fezes, que costumam ser amareladas e gordurosas (esteatorreia), juntamente com perda de peso e flatulência (Figura 1). Os cães acometidos também tendem a ter uma diminuição na consistência das fezes (i. e., diarreia do intestino delgado [Tabela 1]), além de polifagia e coprofagia. Alguns pacientes podem ter episódios de dor abdominal, o que pode se manifestar como ataques de agressividade. De modo geral, os cães afetados apresentam más condições do corpo e da pelagem (Figura 2), muitas vezes com seborreia (Figura 3). De maneira atípica, ocasionalmente podem ocorrer vômitos em alguns cães.

Cabe salientar que, embora as manifestações de diarreia, polifagia e perda de peso sejam os sinais clínicos, nem todos podem estar presentes em todos os cães envolvidos. Alguns estudos relataram que 5% dos cães acometidos não tinham diarreia, 35% estavam com apetite normal, 12% apresentavam redução do apetite e 13% exibiam peso normal ou aumentado 5.

Para os pacientes com diarreia do intestino delgado em que há suspeita de enteropatia crônica, é essencial descartar a presença de insuficiência pancreática exócrina ⎯ que, no caso, é um dos principais diagnósticos diferenciais (Quadro 1). A insuficiência pancreática exócrina é a causa extragastrointestinal mais frequente de diarreia crônica em cães 6.

Diagnóstico 

Quadro 1. A abordagem diagnóstica para cães com diarreia crônica do intestino delgado.

Descartar causas extragastrointestinais 

  • Banco de dados mínimo (hemograma completo, bioquímica, urinálise, coprologia)

  • Imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica

  • ± Cortisol basal

  • ± Teste de estimulação com ACTH

  • ± Ácidos biliares

  • ± Técnicas de diagnóstico por imagem

Doença extragastrointestinal

Tratamento

Sem diagnóstico e paciente estável

Terapêutica (dieta, antibióticos, anti-helmínticos)

Resposta

Ausência de resposta

Sem diagnóstico e paciente instável

Técnicas de diagnóstico por imagem ± testes de cobalamina/folato

Biopsia intestinal


A insuficiência pancreática exócrina é um diagnóstico funcional, estabelecido com base na detecção de um declínio da capacidade secretora por meio de provas de função do pâncreas. Para confirmar a etiologia subjacente, há necessidade de biopsia desse órgão.

O teste de escolha é a mensuração da imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica. O pâncreas secreta tripsinogênio no intestino, onde é transformado na enzima ativa tripsina, uma potente protease digestiva. Além disso, pequenas quantidades de tripsina podem se formar no pâncreas. Sob condições normais, parte do tripsinogênio entra na corrente sanguínea, onde é possível detectá-lo. A tripsina só estará presente no soro quando houver inflamação pancreática. O tripsinogênio e a tripsina plasmática são degradados nos rins e pelo sistema mononuclear fagocitário. A imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica é um imunoensaio capaz de detectar tripsinogênio, tripsina e tripsina ligada a inibidores de proteases 7.

O teste é uma medida específica e espécie-específica da função do pâncreas e, portanto, deve-se utilizar a técnica definitiva para a espécie canina (imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica canina). Os níveis aumentam no período pós-prandial; por essa razão, o paciente deve ficar em jejum por 12 horas antes da coleta da amostra. Alguns autores recomendam a suspensão do fornecimento de enzimas pancreáticas pelo menos 1 semana antes de qualquer mensuração, pressupondo que isso poderia resultar em níveis errôneos no teste. Entretanto, vários estudos indicaram que a suplementação de enzimas pancreáticas não influencia a medição da imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica em animais saudáveis 8 ou em cães com insuficiência pancreática exócrina 9, logo, não há necessidade de suspender o tratamento quando se lida com um paciente para o qual se exige um diagnóstico definitivo, mas que já recebeu enzimas pancreáticas.

 
Interpretation of serum cTLI (trypsine-like immunoreactivity) values.

Quadro 2. Interpretação dos valores da imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica canina.

Imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica (mensurada em amostras obtidas em jejum)
Baixa
< 2,5 µg/L
Limítrofe
2,5-5,7 µg/L
Normal
57-50 µg/L
Alta
> 50 µg/L
Insuficiência pancreática exócrina
Repetir a mensuração 1 mês depois
Descartar insuficiência pancreática exócrina
Exceções
Pacientes com pancreatite como causa de insuficiência pancreática exócrina
Deficiência isolada de lipase pancreática
Obstrução do ducto pancreático
Disfunção pancreática leve (fase subclínica)
Pancreatite?
Doença renal avançada?
Doença intestinal?
Pós-prandial?
Imunorreatividade da lipase pancreática canina, técnicas de diagnóstico por imagem
Bioquímica, urinálise, técnicas de diagnóstico por imagem
Abordagem diagnóstica para enteropatia crônica
Confirmar a mensuração com o estômago vazio

Em geral, ao se interpretar os resultados da imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica canina (Quadro 2), valores abaixo de 2,5 µg/L são considerados como confirmatórios para a presença de insuficiência pancreática exócrina. Caso se obtenham resultados duvidosos ou inconclusivos (entre 2,5-5,7 µg/L), o teste deverá ser repetido um mês depois, uma vez que nem todos os cães dessa categoria evoluirão para níveis baixos de imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica. Tais casos, sobretudo se for em uma raça predisposta à atrofia acinar pancreática, podem estar na fase subclínica, em que ainda existe uma função secretora adequada e que ainda não evoluiu para atrofia pancreática total, quando os sinais clínicos se tornam aparentes 1.

Embora a imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica possa estar aumentada em pacientes com pancreatite, não se trata de um teste diagnóstico confiável, uma vez que ela só permanece elevada por 24-36 horas após o insulto inicial; a presença de pancreatite deve ser confirmada com outros testes. A imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica também pode vir a sofrer um aumento por outros motivos, dentre os quais se podem incluir alguns indivíduos com enteropatias, conforme relatado em pessoas e gatos com vários distúrbios gastrointestinais 10 11 12. Alguns autores também sugerem que pequenas quantidades de tripsina possam ser sintetizadas no intestino 10 e, em seres humanos, a tripsina está presente no intestino delgado e epitélio biliar, bem como em algumas neoplasias ovarianas e hepatobiliares 7.

Em termos gerais, um resultado normal da imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica descarta a presença de insuficiência pancreática exócrina. Em raras ocasiões, o resultado da imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica pode estar normal apesar da existência de insuficiência pancreática exócrina, por exemplo com uma obstrução do ducto pancreático 13 ou se o paciente tiver uma deficiência independente de lipase pancreática 14.

A intepretação da imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica em cães com insuficiência pancreática exócrina causada por pancreatite crônica pode ser mais difícil. Se o paciente tiver episódios de pancreatite aguda (com sinais digestivos, anorexia, dor abdominal, etc.), é recomendável medir o nível mínimo da imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica 1 semana após o episódio – uma vez estabilizado o paciente – para diagnosticar a insuficiência pancreática exócrina. Mesmo assim, para os cães com pancreatite crônica e perda de peso em que não há outra explicação válida, especialmente se eles apresentarem valores limítrofes da imunorreatividade semelhante à da tripsina sérica repetidas vezes, é aconselhável um ensaio terapêutico com enzimas pancreáticas.

Outros testes laboratoriais têm menor utilidade para o diagnóstico de insuficiência pancreática exócrina. A imunorreatividade da lipase pancreática está diminuída em quase todos os pacientes com insuficiência pancreática exócrina, mas há uma sobreposição de valores entre pacientes doentes e saudáveis; no entanto, um teste específico da lipase pancreática canina pode ser útil no caso de deficiência isolada dessa enzima 14. Os testes para avaliar a atividade proteolítica fecal não são recomendados, em virtude da baixa sensibilidade e especificidade. O teste de elastase pancreática é amplamente utilizado em seres humanos para avaliar a função do pâncreas exócrino, mas em cães esse teste é muito inespecífico; valores altos descartam a insuficiência pancreática exócrina, mas valores baixos não a confirmam 1 13.

A cobalamina sérica deve ser medida em todos os cães com insuficiência pancreática exócrina e geralmente está reduzida na maioria dos pacientes. Além de ser um fator prognóstico importante 15 a cobalamina influencia o tratamento, pois os cães com baixos níveis devem receber suplementação dessa vitamina.

Tratamento

A terapia de pacientes com insuficiência pancreática exócrina envolve principalmente a administração de enzimas pancreáticas, recomendações dietéticas e suplementos de vitamina B12 ou cianocobalamina.

Suplementação de enzimas pancreáticas

Essas enzimas podem ser administradas na forma de pó ou grânulos, cápsulas ou comprimidos revestidos (para proteger as enzimas da acidez do estômago); alguns clínicos também sugerem o fornecimento de pâncreas cru, mas isso aumenta a possibilidade da transmissão de doenças infecciosas. Embora alguns relatos tenham indicado maior eficácia com o uso de suplementos não revestidos, estudos recentes demonstraram a eficácia de suplementos revestidos 9 16. As enzimas pancreáticas devem ser fornecidas juntamente com os alimentos (caso se utilize a forma de grânulos, eles devem ser misturados aos alimentos imediatamente antes das refeições). A pré-incubação das enzimas antes da administração não aumenta a eficácia do produto 13. A dose deve ser ajustada de acordo com as necessidades do paciente (i. e., dependendo dos sinais clínicos), embora a capacidade digestiva geralmente não se recupere por completo, mesmo em pacientes suplementados da devida forma1. Os efeitos colaterais das enzimas pancreáticas são mínimos, embora haja relatos de sangramento oral em cães submetidos a altas doses; isso foi controlado por meio da redução da dose 1.

Dieta

A absorção de gordura não normaliza completamente com a suplementação de enzimas pancreáticas. Contudo, embora dietas com baixo teor de gordura já tenham sido a regra para cães com insuficiência pancreática exócrina, isso pode ser prejudicial para os cães muito magros, porque o conteúdo calórico fica muito restrito e isso não os ajuda a ganhar peso. Também é recomendável evitar o fornecimento de dietas ricas em fibras, uma vez que esse tipo de dieta altera a atividade das enzimas pancreáticas e pode diminuir a assimilação de outros nutrientes 17. De modo geral, são recomendadas dietas de alta digestibilidade, com nível moderado de gorduras e baixo teor de fibras. Alguns cães respondem bem às dietas de manutenção. No entanto, vários estudos não demonstraram benefícios claros ao se comparar dietas específicas, e cada animal responde de uma forma distinta a diferentes tipos de dietas. Na prática, devem ser realizadas tentativas dietéticas em cada cão para verificar qual a dieta mais eficaz 17 18.

Suplementação de cobalamina

A hipocobalaminemia é muito comum em animais com insuficiência pancreática exócrina e pode se desenvolver, inclusive, em cães que já estão sendo tratados com suplementos de enzimas pancreáticas. Portanto, é essencial monitorar os níveis de cobalamina; diversos estudos indicam o fator prognóstico negativo da hipocobalaminemia em pacientes com insuficiência pancreática exócrina, com um grande impacto na sobrevida a longo prazo 5 15. Todos os pacientes com baixos níveis de cobalamina devem ser suplementados com essa vitamina. Do ponto de vista histórico, isso era feito por meio de injeção subcutânea; todavia, estudos recentes indicam que o uso de suplemento oral diário é provavelmente eficaz (Quadro 3) 19.

 

 

Opção da administração subcutânea: 50 µg/kg (ou dose de acordo com a tabela) semanalmente por 6 semanas e, depois, manter a cada 2-4 semanas
Peso < 5 kg 5-10 kg 10-20 kg 20-30 kg 30-40 kg 40-50 kg > 50 kg
Dose (μg) 250 400 600
800
1000
1200
1500

 

Opção da administração oral: 50 µg/kg (ou dose de acordo com a tabela) diariamente por, no mínimo, 12 semanas e, em seguida, ajustar de acordo com a necessidade
Peso 1-10 kg 10-20 kg > 20 kg
Dose
¼ de 1 comprimido de 1 mg ½ de 1 comprimido de 1 mg 1 comprimido de 1 mg
Quadro 3. Suplementação da vitamina B12 para cães com hipocobalaminemia.

Antibióticos

Não há evidências satisfatórias de que os cães com insuficiência pancreática exócrina melhoram com antibióticos. Eles costumam ter proliferação bacteriana excessiva ou disbiose da flora intestinal, mas isso tende a ser subclínico. Entretanto, se houver uma resposta incompleta à suplementação de enzimas e à modificação da dieta, antibióticos como ampicilina, metronidazol ou tilosina poderão ser prescritos 17. Como os cães com insuficiência pancreática exócrina podem ter disbiose, também se pode considerar o uso de probióticos. Vários estudos não só indicam que os probióticos podem ter um possível papel na redução da inflamação intestinal e na regulação da disbiose intestinal, mas também incentivam o uso de terapias com um bom perfil de risco-benefício (sobretudo quando se leva em consideração o surgimento de resistência bacteriana com o uso de antibióticos) 20. Por outro lado, há necessidade de mais estudos para confirmar a eficácia e as indicações de probióticos em pacientes com insuficiência pancreática exócrina. Além disso, vale lembrar que pode haver uma enteropatia concomitante; portanto, se não houver uma resposta adequada à suplementação de enzimas e ao tratamento de suporte, seria pertinente prosseguir com um protocolo de testes diagnósticos em busca de enteropatias crônicas (Quadro 1).

Antiácidos

Teoricamente, os antiácidos podem ser utilizados para diminuir a hidrólise gástrica das enzimas pancreáticas suplementadas, mas a eficácia desses agentes não foi comprovada; sendo assim, é provavelmente melhor aumentar a dose do suplemento enzimático, se necessário. Foi demonstrado que os antiácidos reduzem a destruição da lipase, embora isso não se traduza em benefício clínico 17.

Glicocorticoides

O uso de glicocorticoides pode ser justificado em pacientes com enteropatia crônica concomitante (p. ex., enteropatia inflamatória) ou em casos de pancreatite crônica em raças como Cocker Spaniel inglês, em que há evidência de etiologia imunomediada 21.Conforme citado anteriormente, em alguns pacientes, talvez haja necessidade de outros testes diagnósticos para detectar outros problemas concomitantes que possam exigir um tratamento diferenciado, e a administração de glicocorticoides pode ser apropriada em certos casos. Qualquer eficácia e benefício do uso de imunossupressores como a azatioprina na fase subclínica de insuficiência pancreática exócrina não foram comprovados e, portanto, esse uso não é recomendado.

Prognóstico

Uma série de estudos indica que ~60% dos pacientes com insuficiência pancreática exócrina respondem bem ao tratamento, 17% apresentam uma resposta parcial e 23% exibem uma resposta insatisfatória, levando à eutanásia em alguns casos 5. Em termos gerais, uma resposta inicial positiva está relacionada com maior sobrevida 5. Para os casos com pancreatite crônica subjacente, é importante monitorar a existência de outros possíveis problemas concomitantes, como a presença de diabetes mellitus. A constatação de hipocobalaminemia no momento do diagnóstico, especialmente se não estiver acompanhada de altos níveis de folato, é um sinal prognóstico mau 15.

Em todo o caso, a atrofia acinar pancreática é um processo irreversível que requer tratamento vitalício (i. e., por toda a vida). É importante estabelecer uma comunicação adequada com os tutores; se eles estiverem dispostos a aceitar as implicações financeiras necessárias e a participar do manejo e tratamento da doença, o prognóstico geralmente será bom, com no mínimo uma melhora do quadro clínico para a maioria dos pacientes.

A insuficiência pancreática exócrina é uma doença debilitante que resulta da atrofia ou destruição do tecido acinar pancreático após pancreatite crônica. A insuficiência pancreática exócrina deve ser descartada em todos os pacientes com suspeita de enteropatia crônica e sinais clínicos sugestivos (como perda de peso, polifagia e diarreia), bem como em cães com pancreatite crônica e perda de peso inexplicável por outros motivos. A suplementação de enzimas pancreáticas e cobalamina, juntamente com a administração de dieta adequada, são pilares fundamentais no tratamento dos cães acometidos.

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María-Dolores Tabar Rodríguez

María-Dolores Tabar Rodríguez

A Dra. Tabar Rodríguez se formou na Universidad de Zaragoza em 2001 e, em seguida, fez estágio em pequenos animais e Residência Europeia em Medicina Interna no Hospital Clínic Universitari com a Universidad Autónoma de Barcelona (UAB). Leia mais

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