Revista médica e científica internacional dedicada a profissionais e estudantes de medicina veterinária.
Veterinary Focus

Número da edição 29.3 Endocrinologia

Nutrição para o gato diabético

Publicado 11/11/2021

Escrito por Veerle Vandendriessche

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Română , Español , English e ภาษาไทย

O diabetes mellitus pode ter efeitos de grande alcance no metabolismo do corpo. A Dra. Vandendriessche oferece uma abordagem sensata (i. e., prática) ao paciente e revisa como escolhas cuidadosas da dieta, juntamente com mudanças no estilo de vida, podem ajudar a alcançar o controle ideal do problema.

Nutrition for the diabetic cat

Pontos-chave

O diabetes felino tipo II é uma doença muito comum, e o sucesso do tratamento requer uma abordagem holística (i. e., que considera o todo), incluindo insulinoterapia e atenção à dieta.


A dieta de um gato diabético deve ser elaborada de modo a permitir a perda de peso gradual, ao mesmo tempo em que garante a saciedade e o controle glicêmico satisfatório do paciente.


Introdução

O diabetes mellitus é provavelmente a endocrinopatia felina mais comum, embora o tipo II seja encontrado em uma frequência muito maior que o tipo I. O diabetes mellitus tipo II, no caso, é diagnosticado em até 95% dos gatos diabéticos. Cada novo paciente felino com diabetes é um desafio tanto para o médico-veterinário como para o nutricionista, pois exige que levemos em consideração muitos fatores distintos, com o objetivo final de atingir a normoglicemia e melhorar a qualidade e expectativa de vida do paciente.

É necessário iniciar não só o tratamento médico correto com uma insulina de ação prolongada, mas também se devem ajustar a nutrição e o manejo geral do paciente felino para reduzir a dosagem de insulina (e, idealmente, eliminar essa necessidade um dia) e permitir que o gato alcance seu peso corporal ideal. Todas essas mudanças devem ser implementadas, de acordo com as competências do tutor e as preferências do gato; do contrário, é pouco provável que a conformidade dos tutores às modificações propostas seja bem-sucedida. Como médica-veterinária atuante e nutricionista certificada, espero fornecer aos leitores algumas dicas e sugestões adquiridas a partir das minhas experiências ao longo dos anos em que lido com tais pacientes, para ajudá-los a abordar esses casos com mais confiança no futuro.

Obesidade e dieta

Muitos gatos com diabetes tipo II apresentam uma forma leve a grave de obesidade (Figura 1). Por isso, é necessário modificar sua dieta por um alimento especificamente elaborado para fazer com que eles percam peso; no entanto, é essencial que a perda de peso seja alcançada de maneira controlada, para que os gatos permaneçam saudáveis, embora a dieta escolhida deva limitar a carga glicêmica. Esse tipo de dieta é normalmente hipocalórica (i. e., com baixo teor de calorias), rica em fibras e proteínas, mas pobre em carboidratos solúveis; também deve ser enriquecida com antioxidantes e L-carnitina. Uma dieta com baixo conteúdo calórico permite ao tutor fornecer um volume maior de alimento, o que ajuda a manter a saciedade entre as refeições; isso é auxiliado pela maior quantidade de fibras insolúveis na dieta. A fração de fibras solúveis no alimento retarda a absorção de nutrientes, ajudando assim a controlar a carga glicêmica. O alto conteúdo proteico é necessário para evitar a degradação muscular, em virtude da restrição calórica na alimentação; isso tem um efeito sinérgico com o aumento nos níveis de atividade (ver adiante) – o que, juntos, ajuda a melhorar a formação da massa corporal magra. Os antioxidantes neutralizam os efeitos negativos da inflamação crônica relacionada com a obesidade, enquanto a L-carnitina facilita a utilização da gordura – em vez da glicose – como fonte de energia pelas células.

A escolha entre uma dieta seca e úmida deve ser feita em consulta com o tutor, devendo-se levar em conta as preferências e os hábitos do gato antes do diagnóstico. De modo geral, as dietas úmidas costumam ser melhores para alcançar a saciedade; por essa razão, umedecer os croquetes também pode ser uma boa opção se o gato não gostar de sachês ou patês. Outra vantagem de umedecer os croquetes ou usar os alimentos úmidos está na possibilidade de melhora da saúde do trato urinário, uma vez que a cistite recorrente é uma comorbidade comum em gatos diabéticos e/ou obesos. Contudo, o mais importante é garantir que o gato tenha uma ingestão alimentar consistente (regular) e previsível (o que, para alguns gatos, só pode ser alcançado com alimentos secos).

A quantidade de alimento a ser fornecida deve ser calculada utilizando uma estimativa do peso corporal ideal do gato e, como ponto de partida, o objetivo deve ser o fornecimento de 293 KJ por kg de peso corporal: o ideal é que o gato perca entre 0,5 e 2% de seu peso corporal a cada semana uma vez sob a nova dieta. Portanto, a avaliação do peso deve ser feita a cada consulta de acompanhamento (Figura 2), fazendo os ajustes das porções de acordo com a perda de peso.

Most cats with type 2 diabetes are at least mildly obese, and it is essential to ensure that they are offered a diet which is specifically designed to help them lose weight.
Figura 1. A maioria dos gatos com diabetes tipo II é, no mínimo, levemente obesa; por isso, é essencial garantir que eles recebam uma dieta especificamente elaborada para ajudá-los a perder peso. © Shutterstock
All diabetic cats should be subject to regular weight checks, and the diet adjusted if necessary.
Figura 2. Todos os gatos diabéticos devem ser submetidos a check-ups regulares do peso e a dieta ajustada, se necessário. © Shutterstock

Esquema de alimentação

An automatic feeder allows a cat to be fed multiple small meals throughout the day, which will mimic its natural feeding behavior.
Figura 3. Um comedouro automático permite que o gato seja alimentado com várias refeições em pequenas quantidades ao longo do dia, o que mimetiza seu comportamento alimentar natural. © Shutterstock

A supervisão das refeições também é um fator crucial no manejo desses pacientes, e a alimentação deve ser ajustada de acordo com as injeções de insulina. Na prática, isso significa que duas refeições mais volumosas (2 × 30% da quantidade diária) devem ser fornecidas em intervalos de 12 horas, antes das aplicações de insulina, e o restante da alimentação entre os períodos em porções menores.

Quando o paciente só consome dietas úmidas, a agenda do tutor ditará os horários das refeições, uma vez que esse tipo de alimento deverá ser servido fresco; se o gato ingere alimentos secos, no entanto, é imprescindível investir em um (ou mais) comedouros automáticos. Esses dispositivos permitem que o gato seja alimentado com várias refeições em pequenas quantidades ao longo do dia, mimetizando assim seu comportamento natural (Figura 3). A vantagem de ter mais de um comedouro automático está no fato de que o gato se exercita mais para obter o alimento – i. e., ele precisa se movimentar mais entre os pontos de alimentação. Entretanto, vale ressaltar que é fundamental alterar a programação diariamente, para que o gato não saiba qual comedouro se abrirá em algum horário específico. Se isso não for feito, o gato simplesmente ficará esperando na frente do comedouro o qual ele sabe que será aberto em seguida.

Estimulação dos níveis de atividade

Veerle Vandendriessche

A escolha entre uma dieta seca e úmida deve ser feita em consulta com o tutor, devendo-se levar em consideração as preferências e os hábitos do gato antes do diagnóstico de diabetes.

Veerle Vandendriessche

Conforme mencionado anteriormente, é necessário estimular a atividade física nesses pacientes e, em muitos casos, os níveis de atividade do gato podem ser aumentados simplesmente através da modificação da forma como ele é alimentado. Algumas das opções disponíveis incluem:

  • Aconselhar o tutor a não alimentar seu pet no chão, mas sim a fornecer o alimento em uma área elevada, para que o gato tenha de saltar para se alimentar (Figura 4). Isso, no entanto, deve levar em consideração as habilidades do gato para pular; portanto, será preciso abordar essa questão com o tutor e, se necessário, o local escolhido para alimentar o gato talvez tenha de ser alterado conforme ele perde peso. Quanto mais peso o paciente perder, mais difícil será para ele alcançar seu alimento.
  • Incentivar o tutor a distribuir a alimentação por toda a área de convívio do gato, em vez de fornecê-la apenas em uma única tigela. Isso pode ser feito facilmente com dietas secas e úmidas.
  • Sugerir que o tutor faça uso de brinquedos dispensadores de alimentos, para que o gato gaste mais energia para obtê-los (Figura 5).
  • Enriquecer o ambiente onde vive o gato de todas as maneiras possíveis; isso o estimula a explorar seus arredores e proporciona estimulação tanto física como mental (Figura 6).
Owner should provide the food on a raised area so that the cat has to jump to feed. This will help the cat expend more energy getting to its food.
Figura 4. O tutor deve fornecer o alimento em uma área suspensa, para que o gato tenha que pular para se alimentar. Isso ajuda o animal a gastar mais energia para chegar até a refeição. © Shutterstock
Feeding toys not only ensure that a cat expends energy in obtaining its food, they also provide mental stimulation.
Figura 5. Os brinquedos dispensadores de alimentos não só garantem que o gato gaste energia para obtê-los, mas também proporcionam estimulação mental. © Ingrid Johnson
Diabetic cats should be encouraged to maintain their activity levels; both physical activity and loss of body fat can contribute to remission of the diabetic state. By enriching a cat’s environment with things such as boxes, tunnels and climbing frames, the cat will be encouraged to explore its surroundings.
Figura 6. Os gatos diabéticos devem ser incentivados a manter seu nível de atividade física; tanto o grau de atividade como a perda de gordura corporal podem contribuir para a remissão do estado diabético. Ao enriquecer o ambiente com coisas como caixas, túneis e estruturas para escalar, o gato será estimulado a explorar os seus arredores. © Shutterstock

Em suma, todo gato com diabetes tipo II deve ser submetido a uma revisão de seu esquema alimentar e, se necessário, receber uma dieta especificamente elaborada para alcançar uma perda saudável de peso, facilitar o controle glicêmico e reduzir o tempo necessário para atingir a normoglicemia. Juntamente com mudanças simples no estilo de vida e no ambiente do gato, isso promove uma melhora na qualidade de vida do animal e ajuda a obter a perda de peso desejada.

Sugestão de leitura 

  1. Larsen JA. Risk of obesity in the neutered cat. J Feline Med Surg2017;19(8):779-783.

  2. Gottlieb S, Rand JS. Managing feline diabetes: current perspectives. Vet Med Res Reports 2018;9:33-42.

  3. de Godoy MRC, Shoveller AK. Overweight adult cats have significantly lower voluntary physical activity than adult lean cats. J Feline Med Surg2017;19(12):1267-1273.

  4. Gottlieb S, Rand JS, Marshall R, et al. Glycemic Status and Predictors of Relapse for Diabetic Cats in Remission. J Vet Intern Med 2015;29:184-192.

  5. Roomp K, Rand JS. Management of Diabetic Cats with Long-acting Insulin. Vet Clin North Am Small Anim Pract 2013;43:251-266.

  6. Zoran DL, Rand JS. The Role of Diet in the Prevention and Management of Feline Diabetes. Vet Clin North Am Small Anim Pract 2013;43:233-243.

Veerle Vandendriessche

Veerle Vandendriessche

Graduada em 2005 pela Faculdade de Medicina Veterinária da Ghent University, a Dra. Vandendriessche trabalhou em clínicas particulares mistas por 8 anos, antes de concluir uma residência em nutrição de animais de companhia e equinos na mesma universidade em 2016. Leia mais

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