Hipoadrenocorticismo atípico canino
A doença de Addison talvez não seja o primeiro diagnóstico que vem à mente quando um cão apresenta sinais gastrointestinais, mas essa possibilidade não deve ser descartada, como descreve Romy Heilmann.
Publicado 20/01/2023
Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Română , Español , English e 한국어
É cada vez mais reconhecido que a disfunção do microbioma intestinal pode estar na raiz de muitos distúrbios gastrointestinais. Neste artigo, são descritos os métodos de diagnóstico e as opções de tratamento para os casos de disbiose.
O microbioma intestinal é um órgão metabólico que exerce um grande impacto na saúde do hospedeiro.
A disbiose é um marcador precoce de um ambiente intestinal anormal, sendo necessário o tratamento da doença subjacente para sua resolução a longo prazo.
A modificação nutricional deve ser a primeira linha de tratamento da disbiose associada a enteropatias crônicas, pois, além de ser geralmente eficaz do ponto de vista clínico, tem efeitos colaterais mínimos.
O transplante de microbiota fecal é um tratamento potencial emergente para a disbiose, mas seu uso em cães ainda está em fase de teste.
O microbioma intestinal é o nome utilizado para designar o genoma coletivo de todos os microrganismos (ou seja, bactérias, vírus, fungos e protozoários) presentes no trato gastrointestinal (GI), sendo as bactérias o constituinte mais abundante. O microbioma pode ser considerado como parte do sistema imunológico, assim como uma entidade metabólica, já que as bactérias produzem metabólitos que afetam tanto o trato GI como outros órgãos do corpo. Disbiose é o termo usado para descrever as mudanças que ocorrem no microbioma em caso de doença e envolve uma redução na diversidade do microbioma (por exemplo, menor número de bactérias diferentes), modificações nas quantidades de bactérias e alterações funcionais (por exemplo, produção alterada de metabólitos bacterianos). De modo geral, a disbiose ocorre secundariamente a doenças subjacentes no intestino e contribui para o aparecimento de sinais clínicos em alguns pacientes 1; por conta disso, trata-se de um marcador adicional para enteropatias, devendo ser avaliado juntamente com o histórico geral e a apresentação clínica do paciente. A terapia para disbiose deve ter como objetivo abordar a doença subjacente, com o manejo da dieta como a primeira linha de tratamento.
As bactérias sintetizam nutrientes por via direta (vitaminas) ou convertem componentes da dieta (fibras, proteínas, gorduras) ou do hospedeiro (ácidos biliares) em metabólitos bacterianos e, portanto, a microbiota exerce muitos efeitos benéficos no hospedeiro. Entre os metabólitos bacterianos mais importantes, destacam-se os ácidos graxos de cadeia curta, os indóis e os ácidos biliares secundários. Os efeitos desses metabólitos são diversos, incluindo ações anti-inflamatórias, modulação da motilidade intestinal, inibição de enteropatógenos, melhora da função da barreira intestinal e aumento da produção de mucina 2. A disbiose, que frequentemente é secundária a vários fatores luminais (ou seja, relacionados com o lúmen intestinal, Quadro 1), leva à alteração da função da microbiota, o que então contribui para o desenvolvimento de sinais clínicos 1. Os ácidos biliares intestinais são de particular interesse na regulação da microbiota. Em suma, os ácidos biliares primários (ácidos cólico e quenodesoxicólico) são liberados no intestino delgado após a ingestão de alimento para auxiliar na digestão da gordura. Até 95% dos ácidos biliares são reabsorvidos no íleo pela circulação entero-hepática 3, e o restante chega ao cólon, onde são convertidos por bactérias (principalmente Clostridium hiranonis em cães e gatos) em ácidos biliares secundários 4. Essa conversão tem importantes consequências para a saúde, pois os ácidos biliares secundários, na quantidade correta, têm efeitos benéficos. Eles atuam como agonistas de sinalização de vários receptores em diversos órgãos, induzindo efeitos anti-inflamatórios e hipoglicemiantes (i. e., redução da glicose), além de supressão de enteropatógenos 5.
Quadro 1. Condições e fatores associados à disbiose intestinal.
• Insuficiência pancreática exócrina, levando à presença de alimentos não digeridos no lúmen do trato GI
• Enteropatias crônicas, em que o processo de inflamação intestinal promove condições aeróbicas e alterações no pH ao nível da mucosa
• Antibióticos de amplo espectro (por exemplo, tilosina, metronidazol), os quais reduzem a concentração intestinal normal de bactérias anaeróbias
• Antiácidos, os quais diminuem a secreção de ácido gástrico
• Anormalidades anatômicas
• Desordens de motilidade
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Embora existam diversos métodos para avaliar o microbioma de um cão, alguns deles são mais eficazes que outros.
Apesar de ainda ser utilizada por muitos médicos-veterinários para o diagnóstico de disbiose, a cultura bacteriana de fezes não é útil para a avaliação do microbioma, pois a maioria das bactérias intestinais são anaeróbias estritas que exigem meios de cultura especiais para crescer (Figura 1). Consequentemente, apenas uma pequena porcentagem de espécies bacterianas pode ser obtida em cultura por laboratórios de diagnóstico. Em um estudo recente, diferentes alíquotas (amostras) fecais de cães saudáveis e cães com diarreia crônica foram enviadas a três laboratórios veterinários de referência para a avaliação de disbiose 6. Além de não haver concordância nos resultados da cultura entre os laboratórios, a disbiose, na verdade, foi relatada com maior frequência no grupo de cães saudáveis. Esse estudo demonstra que a cultura bacteriana não deve ser utilizada para avaliar a microbiota em cães com diarreia crônica, exceto no caso de patógenos específicos, como Salmonella spp.
Técnicas moleculares baseadas no sequenciamento de genes 16S RNAr fornecem informações completas e abrangentes sobre a composição microbiana de uma amostra fecal, sendo utilizadas no âmbito da pesquisa. Embora existam várias empresas que oferecem o método de sequenciamento disponível no mercado para a avaliação do microbioma de cada animal, atualmente não existem uma técnica padronizada (por exemplo, extração de DNA, uso de primers de PCR) entre os laboratórios. Por não haver intervalos de referência definidos para os animais e pelo fato de cada laboratório fornecer informações diferentes em seus relatórios, a interpretação dos resultados é algo complexo. Além disso, a variação entre os ensaios é comum, e não foi estabelecida uma validação analítica para esses ensaios; hoje, portanto, não é recomendável a avaliação do microbioma com base na técnica de sequenciamento para cada paciente.
O índice de disbiose é um teste quantitativo baseado na técnica de PCR, disponível atualmente no mercado na América do Norte e na Europa e muito utilizada em estudos clínicos 4,7, uma vez que se trata do único ensaio validado para avaliar a disbiose do microbioma canino*. O índice de disbiose mede os níveis de sete grupos de bactérias intestinais (Quadro 2), os quais costumam estar alterados em cães com enteropatias crônicas ou após o uso de antibióticos de amplo espectro (por exemplo, tilosina, metronidazol) 8,9. O ensaio fornece intervalos de referência para esses grupos bacterianos e combina os dados em um único número que expressa a extensão da disbiose (Figura 2); um índice de disbiose entre 0 e 2 representa um desvio moderado na microbiota, enquanto um índice de disbiose > 2 indica uma alteração importante. A sensibilidade e a especificidade do método estão exibidas no Quadro 3.
* https://tx.ag/DysbiosisGI
Quadro 2. Os sete grupos bacterianos incluídos no Índice de Disbiose canina e como seus níveis se alteram na disbiose.
Grupo bacteriano | Alteração na disbiose |
---|---|
Faecalibacterium spp. | ↓ |
Turicibacter spp. | ↓ |
Blautia spp. | ↓ |
Fusobacterium spp. | ↓ |
C. hiranonis | ↓ |
Streptococcus spp. | ↑ |
E. coli | ↑ |
Quadro 3. A sensibilidade e a especificidade do Índice de Disbiose para enteropatias crônicas; um índice de disbiose entre 0-2 representa uma alteração moderada na microbiota, enquanto acima de 2 indica uma mudança relevante.
Índice de disbiose | Sensibilidade | Intervalo de confiança (95%) | Especificidade | Intervalo de confiança (95%) |
---|---|---|---|---|
-1 | 0.82 | 0.73-0.88 | 0.91 | 0.84-0.96 |
0 | 0.74 | 0.65-0.82 | 0.95 | 0.89-0.98 |
2 | 0.63 |
0.53-0.72
|
1 | 0.96-1.00 |
O índice de disbiose também prevê, ao avaliar a concentração de C. hiranonis, a capacidade da microbiota intestinal de converter ácidos biliares primários em ácidos biliares secundários 4. Quantidades normais de ácidos biliares secundários são antimicrobianos e suprimem enteropatógenos em potencial, tais como C. difficile, C. perfringens e E. coli 10, sde tal modo que os níveis reduzidos de C. hiranonis e a conversão diminuída de ácidos biliares estão fortemente associados à disbiose intestinal e à proliferação (i. e., supercrescimento) de enteropatógenos em cães (Figura 2) 4,7,8,11. A identificação de alguns ou todos esses enteropatógenos em um cão com diarreia sugere crescimento excessivo devido a uma disbiose subjacente secundária à enteropatia crônica, em vez de uma infecção primária. Até 60% dos cães com enteropatia crônica apresentam níveis reduzidos de C. hiranonis e, portanto, redução dos ácidos biliares secundários 12.
A Tabela 1 resume as diversas formas pelas quais as bactérias intestinais podem contribuir para o surgimento de enfermidades, embora as doenças subjacentes variem entre cada paciente, dependendo da localização e da gravidade do dano intestinal. A microbiota está em contato com a camada de muco do intestino, o sistema imunológico e os substratos luminais, e alterações em um ou mais deles afetarão a composição da microbiota. Por esse motivo, a disbiose é frequentemente um marcador precoce de um ambiente intestinal anormal em caso de doença (Figura 3).
Tabela 1. Mecanismos pelos quais as bactérias contribuem para a doença GI.
Principais tipos de disbiose | Possíveis consequências |
---|---|
Substrato anormal (por exemplo, nutrientes não digeridos, medicamentos) no lúmen intestinal |
Aumento de metabólitos bacterianos que causam diarreia |
Função deficiente da microbiota devido à perda de bactérias comensais (por exemplo, C. hiranonis) |
Proliferação de enteropatógenos pela conversão reduzida de ácidos biliares primários em secundários Ausência de metabólitos anti-inflamatórios
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Aumento da carga bacteriana total no intestino delgado |
Aumento de metabólitos microbianos, causando diarreia Aumento da resposta imune inflamatória |
Aumento de bactérias aderidas à mucosa |
Aumento da resposta imune inflamatória |
Uma disbiose restrita principalmente ao lúmen intestinal costuma estar presente em pacientes com insuficiência pancreática exócrina 13, após tratamento com antibióticos de amplo espectro, 8,9, ou em animais mais jovens em função de um sistema imunológico imaturo. As enteropatias crônicas são acompanhadas por inflamação e destruição da camada de muco e da estrutura da mucosa, levando à presença de mais oxigênio na superfície da mucosa, ao aumento do número de bactérias aeróbicas (E. coli) e à diminuição da flora anaeróbica normal. A perda da arquitetura da mucosa que ocorre em casos de enteropatia crônica leva à falta de moléculas de transporte para carboidratos, aminoácidos, ácidos graxos e ácidos biliares, resultando em má-absorção desses compostos 14. A maior concentração desses substratos no lúmen do trato gastrointestinal (GI) pode levar diretamente à diarreia osmótica ou secretora, bem como à proliferação bacteriana.
Devido à ruptura da camada de muco que reveste o epitélio, os cães com enteropatia crônica frequentemente apresentam um número aumentado de bactérias aderidas à mucosa 15. Isso está ligado a uma redução no C. hiranonis e, portanto, a uma conversão anormal de ácidos biliares, permitindo uma proliferação secundária de C. difficile e C. perfringens, o que pode levar a um aumento nas respostas pró-inflamatórias do hospedeiro.
Jan S. Suchodolski
Como a disbiose costuma se desenvolver secundariamente a uma mudança no ambiente do intestino em caso de doença intestinal e/ou a uma modificação de fatores relacionados com o ambiente, ela deve ser avaliada juntamente com o histórico medicamentoso do paciente e a apresentação clínica do quadro. A interpretação dos resultados do índice de disbiose deve ser feita levando em conta a concentração individual de cada táxon bacteriano, e especialmente do C. hiranonis, pois sua diminuição é um dos principais fatores que contribuem para um microbioma anormal. Um índice de disbiose acima de 2 indica disbiose com alta especificidade, enquanto um índice de disbiose na faixa duvidosa sinaliza uma pequena mudança no microbioma fecal. Alguns cães com enteropatia crônica podem ter um índice de disbiose < 0, mas com alguns táxons bacterianos fora dos intervalos de referência, e isso representa uma forma leve de disbiose. Em geral, um índice de disbiose anormal sugere doença intestinal subjacente e, por essa razão, fica indicada uma avaliação em busca de enteropatia crônica.
Note que alguns medicamentos podem influenciar o índice de disbiose. Por exemplo, o omeprazol pode levar a um aumento transitório do índice de disbiose, mas sem elevação da concentração de C. hiranonis, e esse índice normaliza 1-2 semanas após o término do tratamento. Antibióticos de amplo espectro (por exemplo, metronidazol e tilosina) podem induzir a uma disbiose fecal grave (Figura 4), mas novamente a microbiota costuma normalizar dentro de 2-4 semanas após o término da administração na maioria dos cães, embora alguns indivíduos possam ter uma disbiose persistente com falta de C. hiranonis por vários meses 8,11.
As alterações na composição da microbiota no intestino delgado frequentemente levam a alterações detectáveis no microbioma fecal, conforme avaliado pelo índice de disbiose. Contudo, em alguns pacientes, um maior número de bactérias no intestino delgado pode causar doença. Sugere-se a presença de disbiose do intestino delgado se as concentrações séricas de folato estiverem aumentadas e a cobalamina sérica estiver diminuída em um painel GI, mas é preciso levar em conta que ambos os marcadores têm baixa sensibilidade e especificidade.
Muitas vezes, a disbiose é apenas um dos componentes da doença intestinal e, em geral, é necessária a instituição de múltiplas modalidades terapêuticas para tratar a causa subjacente. Em alguns casos, como em animais com insuficiência pancreática exócrina, o tratamento com a suplementação de enzimas pancreáticas leva à melhora dos sinais clínicos e, com frequência, o microbioma intestinal normaliza após várias semanas 13, em cães com enteropatia crônica, no entanto, não há marcadores capazes de predizer qual tratamento é melhor para cada paciente individualmente. Por essa razão, frequentemente há necessidade de ensaios terapêuticos graduais e escalonados 16. As terapias para a disbiose incluem modificação da dieta, prebióticos e probióticos, antimicrobianos e transplante de microbiota fecal, e cada uma dessas abordagens atua sobre um mecanismo diferente (Tabela 2). Portanto, a combinação de vários tratamentos leva à obtenção dos melhores resultados.
Tabela 2. Opções terapêuticas para a disbiose.
Tratamento | Provável mecanismo | Possíveis efeitos colaterais |
---|---|---|
Modificações na dieta |
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Prebióicos/fibras |
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Probióticos |
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Antibióticos |
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Transplante de microbiota fecal |
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As modificações na dieta sempre devem ser a primeira opção de tratamento em pacientes estáveis. Em vários estudos, foi demonstrado que entre 50-70% dos cães com enteropatia crônica são responsivos a estratégias nutricionais 16, e as dietas de alta digestibilidade contendo proteínas novas ou hidrolisadas costumam ser mais utilizadas. A maioria dessas dietas são hipoalergênicas e, por serem muito digeríveis, reduzem a quantidade de nutrientes não digeridos no lúmen GI, diminuindo o potencial de proliferação bacteriana. Na maioria dos casos de enteropatia responsiva a alimentos, a mudança na dieta por si só é suficiente para alcançar a remissão clínica, levando à melhora gradual da inflamação intestinal e da disbiose ao longo de alguns meses 10,17.
Os probióticos podem ser administrados de forma isolada em casos brandos (leves) ou em conjunto com a modificação da dieta. Como a concentração bacteriana de qualquer probiótico é pequena quando comparada à microbiota intestinal existente, essas bactérias têm um impacto direto menor sobre a composição da microbiota. No entanto, elas se aderem à mucosa e podem exercer efeitos benéficos, incluindo a menor duração da diarreia aguda e a redução dos efeitos colaterais gastrointestinais associados a antibióticos, como vômito ou diarreia 18. Os probióticos de múltiplas cepas e de alta potência demonstraram reduzir o número de C. perfringens em cães com diarreia hemorrágica aguda 19 e fortalecer a barreira intestinal em outros com enteropatia crônica 20. Entretanto, dada a variedade de produtos comerciais sem um controle de qualidade adequado, é importante escolher uma preparação cuja eficácia tenha sido comprovada em estudos clínicos publicados.
Os prebióticos são carboidratos não digeríveis que promovem o crescimento de microrganismos benéficos, podendo ser divididos em fibras solúveis ou insolúveis e fermentáveis ou não fermentáveis. Os prebióticos fermentáveis são convertidos em ácidos graxos de cadeia curta pela ação das bactérias presentes no cólon. A maioria das dietas GI disponíveis no mercado contém prebióticos, mas para algumas doenças (por exemplo, colite) as dietas ricas em fibras podem ser benéficas. A adição de casca de psyllium, uma fibra solúvel, à dieta a uma dose de 0,5-1 g/kg de peso corporal por dia pode melhorar a qualidade das fezes em animais com doença do intestino grosso. O produto deve ser introduzido em pequenas quantidades e aumentado progressivamente até obter a consistência fecal desejada.
Antibióticos, como tilosina ou metronidazol, são tradicionalmente recomendados para o tratamento de enteropatia crônica, mas atualmente há controvérsias sobre o uso desses agentes como tratamento de primeira linha 16. Embora eles possam levar a uma melhora nos sinais clínicos, presumivelmente devido a uma redução da carga bacteriana, os pacientes costumam apresentar recidiva após o tratamento, uma vez que as bactérias voltam a se desenvolver, já que os antibióticos raramente solucionam o processo patológico subjacente 15,21,22. As opções comumente utilizadas incluem metronidazol (10-15 mg/kg a cada 12 horas) e tilosina (25 mg/kg a cada 12 horas) por 4 a 6 semanas, mas, conforme observado anteriormente, ambos os medicamentos demonstraram induzir a disbiose no intestino grosso ¾ que, algumas vezes, pode durar meses 8,9,11. Estudos relatam que o metronidazol favorece o desenvolvimento de uma disbiose duradoura em cães com diarreia aguda 11, enquanto a amoxicilina-ácido clavulânico pode estimular um aumento de E. coli resistente 23. De modo geral, a antibioticoterapia não é recomendada como tratamento de primeira linha em casos de enteropatia crônica por uma série de razões – (a) apenas 10-16% dos cães com esse tipo de enteropatia são responsivos a antibióticos, (b) a maioria dos casos recidiva após a suspensão do tratamento, e (c) os medicamentos têm efeitos negativos sobre o microbioma. No entanto, a antibioticoterapia é uma opção que deve ser considerada quando não se obtém uma resposta satisfatória com a dieta ou o tratamento anti-inflamatório ou em pacientes com sinais de inflamação sistêmica 16, bem como com invasão e persistência de bactérias na mucosa intestinal (por exemplo, colite granulomatosa associada a E. coli). Um pequeno subgrupo de cães com enteropatia crônica pode não responder a nenhum outro tratamento, caso em que a administração de antibióticos a longo prazo pode ser necessária, reduzindo a dosagem até a dose mínima efetiva.
O transplante de microbiota fecal pode ajudar a restabelecer a microbiota normal e melhorar os sinais clínicos 11 em alguns casos de disbiose. A técnica envolve a transferência de fezes de um doador saudável para o intestino de um receptor por meio de cápsulas orais, endoscopia ou enema (Figuras 5 e 6). Em seres humanos, o transplante de microbiota fecal tem uma alta taxa de sucesso (> 90%) em caso de infecção contagiosa e recorrente por C. difficile, mas tem um êxito mais limitado para enteropatia intestinal em virtude da inflamação crônica subjacente no intestino.
O transplante de microbiota fecal em animais ainda é uma terapia emergente. Um protocolo simples está exposto no Quadro 4, embora até o momento existam poucos casos publicados, e parece que o sucesso depende da doença subjacente 24. A técnica ajuda a restaurar o metabolismo dos ácidos biliares, ao favorecer a população de C. hiranonis (Figura 7); por isso, tal técnica pode ser útil em cães com uma conversão anormal de ácidos biliares por proliferação associada a enteropatógenos como C. difficile ou C. perfringens e/ou em animais com disbiose induzida por antibióticos e leves danos subjacentes à mucosa intestinal. O transplante de microbiota fecal também demonstrou melhorar os escores fecais em casos de diarreia aguda e, quando utilizado como adjuvante à terapia antimicrobiana-padrão, em filhotes caninos com infecção por parvovírus e em cães jovens com diarreia crônica por uma infecção confirmada por C. difficile 25.
Quadro 4. Protocolo de transplante de microbiota fecal via enema (com base na referência de número 24).
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Materiais necessários: solução de NaCl a 0,9%, cateter de borracha vermelha de calibre 12 ou 14 French, seringas de 60 mL para irrigação da ponta do cateter, liquidificador, fezes de doador, lubrificante não bacteriostático. |
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Em cães com enteropatia crônica, a disbiose é frequentemente um efeito secundário da inflamação intestinal e do dano estrutural, e a recidiva da disbiose e dos sinais clínicos ocorrerá se a doença subjacente não for erradicada. O transplante de microbiota fecal, portanto, tem uma taxa de sucesso muito variável em casos de enteropatia crônica. Em alguns relatos, foi sugerido que o escore fecal de muitos cães com enteropatias crônicas melhora dentro de 2-3 dias do tratamento, mas após algumas semanas os cães voltam a apresentar diarreia recorrente. Por essa razão, nesses pacientes, é necessário instituir um tratamento nutricional e anti-inflamatório adequado do processo patológico subjacente (ver anteriormente), e o transplante de microbiota fecal pode ser considerado como tratamento adjuvante em pacientes que apresentam uma resposta abaixo do ideal (por exemplo, fezes continuamente moles) apesar das terapias-padrão.
O microbioma intestinal desempenha um papel crucial na saúde do hospedeiro, e muitos animais com doença gastrointestinal desenvolverão disbiose, resultando em uma função microbiana anormal, o que pode contribuir para o aparecimento de sinais clínicos. O índice de disbiose é uma ferramenta diagnóstica útil para muitos casos, mas como pode haver várias causas subjacentes, é necessário adotar uma abordagem com múltiplas modalidades terapêuticas e, muitas vezes, de longo prazo para melhorar a composição da microbiota.
Comunicado
O autor trabalha no Texas A&M Gastrointestinal Laboratory (Laboratório Gastrointestinal da Universidade A&M do Texas), que oferece testes comerciais de microbioma.
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Jan Suchodolski
O Dr. Jan Suchodolski é professor associado em Medicina de Pequenos Animais, Diretor Associado de Pesquisa e Chefe de Ciências do Microbioma no Gastrointestinal Laboratory da Texas A&M University. Leia mais
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