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Veterinary Focus

Número da edição 26.2 Outros conteúdos científicos

Piodermite no cão: uma abordagem gradual

Publicado 28/05/2024

Escrito por Jason B. Pieper

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español e English

Nosso conhecimento a respeito de piodermite canina segue avançando. O presente artigo descreve como devemos abordar esses casos, considerando o que sabemos atualmente.

Pares intracelulares ou aglomerados de cocos dentro de neutrófilos

Pontos-chave

A piodermite é uma infecção bacteriana da pele, podendo ser aguda (com pápulas, pústulas, crostas e colaretes epidérmicos) ou crônica (com alopecia, hiperpigmentação e úlceras).


A prevalência de Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina aumentou significativamente nos últimos 10 anos e, por conta disso, é necessário adaptar as diretrizes sobre o uso responsável de antimicrobianos.


A terapia tópica, que equivale à terapia sistêmica, é o tratamento de escolha para piodermite superficial, a fim de diminuir a quantidade de exposição a antimicrobianos sistêmicos.


O tratamento sistêmico da piodermite deve obedecer a um sistema de níveis: o nível 1 é usado como terapia empírica, e o nível 2 só é utilizado quando a cultura indica sensibilidade.


Introdução

A piodermite é uma infecção cutânea bacteriana que pode ser classificada como superficial ou profunda, dependendo da camada afetada da pele. As lesões clínicas da piodermite superficial incluem pápulas e pústulas eritematosas (Figura 1) que podem se concentrar nos folículos pilosos. Também se costumam observar crostas de cor entre mel e marrom (Figura 2), que podem estar aderidas às hastes pilosas. Além disso, podem aparecer colaretes epidérmicos (Figura 3), os quais consistem em lesões descamativas de forma anular (i. e., em forma de anel). Nos casos mais crônicos, observam-se alopecia, hiperpigmentação e úlceras (Figura 4). As lesões de piodermite profunda são caracterizadas clinicamente pela presença de úlceras e trajetos drenantes (Figura 5) 1.

Pápula e pústula na pele de um cão

Figura 1. Nesta imagem, pode-se observar uma pústula no centro e uma pápula na parte inferior direita.

© Jason B. Pieper

Microrganismos causais

A piodermite consiste basicamente na proliferação da microbiota normal do animal, e as bactérias identificadas com maior frequência são as espécies de Staphylococcus coagulase-positivas. Dessas, a espécie S. pseudintermedius é a mais frequente em cães, enquanto o S. aureus, outro microrganismo coagulase-positivo implicado na etiologia, é mais prevalente em gatos. A segunda bactéria mais comum na piodermite canina é o S. schleiferi, e uma característica única desse microrganismo está em sua atividade coagulase variável: alguns casos foram descritos como coagulase-positivos e outros como coagulase-negativos 2. Do ponto de vista histórico, as bactérias Staphylococcus spp. coagulase-negativas foram identificadas como não patogênicas, mas, de acordo com relatos mais recentes, essas bactérias (incluindo S. epidermidis, S. xylosus e S. haemolyticus 1,3,4) podem ser patogênicas. Ocasionalmente, foram descritos casos em que as bactérias causadoras de piodermite eram Streptococcus canis, Pseudomonas aeruginosa, Corynebacterium auriscanis, Escherichia coli, e Proteus spp 1.

Grande crosta com pelos incrustados

Figura 2. Grande crosta com pelos incrustados, típica de piodermite superficial.

©Jason B. Pieper

Resistência antimicrobiana

As bactérias estão em constante evolução, adquirindo mecanismos de resistência ou mutações genéticas, e as espécies de Staphylococcus são bem conhecidas por algumas de suas mutações genéticas para escapar dos antimicrobianos. Uma mutação comum que foi identificada em 80-94% dos casos atribuídos ao S. pseudintermedius é a mutação do gene blaZ, conhecida pela sua resistência aos betalactâmicos, tornando a amoxicilina, a ampicilina e a penicilina ineficazes. Entretanto, a amoxicilina ainda pode ser eficaz nesses casos se for potencializada, por exemplo, com amoxicilina-ácido clavulânico 5,6

Colarete epidérmico; na periferia, observam-se eritema e descamação

Figura 3. Colarete epidérmico; na periferia, observam-se eritema e descamação, enquanto o centro aparece hiperpigmentado.

©Jason B. Pieper

Na medicina veterinária, um dos principais motivos de preocupação em Saúde Única  é a mutação do gene mecA. Esse gene codifica a expressão de uma proteína ligadora de penicilina (PBP2a) que tem baixa afinidade por todos os betalactâmicos, incluindo penicilinas, cefalosporinas, e carbapenêmicos; portanto, os betalactâmicos não conseguem ter ação bactericida, pois não são capazes de se ligar à parede celular dessas bactérias. Essa mutação genética é encontrada nos chamados Staphylococcus resistentes à meticilina, os quais são designados por suas espécies, por exemplo, Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina e Staphylococcus aureus resistente à meticilina 2,7. Embora tenha sido desenvolvida uma nova geração de cefalosporinas eficazes contra Staphylococcus aureus resistente à meticilina, a utilização desses agentes deve ficar reservada aos seres humanos. O Staphylococcus aureus resistente à meticilina costuma ser resistente a uma combinação de classes de medicamentos, como aminoglicosídeos, cloranfenicol, fluoroquinolonas, lincosamida, tetraciclinas, sulfonamidas potencializadas, e rifampicina. Nesses casos, as bactérias são denominadas multirresistentes quando são resistentes a duas ou mais classes de antimicrobianos ou bactérias extensivamente resistentes quando são resistentes a todas as classes de antimicrobianos, exceto duas ou menos 2,7.

Piodermite superficial crônica, com hiperpigmentação moderada e algumas crostas na pelagem

Figura 4. Piodermite superficial crônica, com hiperpigmentação moderada à esquerda da imagem e algumas crostas na pelagem. Além disso, observa-se a presença de úlceras multifocais.

©Jason B. Pieper

Prevalência e fatores de risco

O Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina foi identificado pela primeira vez em animais em 2005 na Bélgica 8, e, desde então, vem sendo identificado em animais na maioria, se não em todos, os países. A prevalência desse microrganismo, no entanto, apresenta uma considerável variabilidade geográfica, o que pode ser atribuído a diferentes orientações quanto à administração e ao uso restrito de antimicrobianos. Em 2011, a prevalência do Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina foi de 0-4,5% na população canina em geral e de até 7% em cães com doenças de pele. Naquele ano, estimou-se que, dentre os casos em que o S. pseudintermedius foi isolado, entre 30 e 66% (dependendo do país) eram resistentes à meticilina 9. Em um estudo recente nos Estados Unidos, observou-se um aumento significativo em termos estatísticos na prevalência de S. pseudintermedius resistente à oxacilina (um determinante da resistência à meticilina) entre 2010 e 2021 10, enquanto, em outro estudo, também nos Estados Unidos, relatou-se um aumento na prevalência de Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina, passando de 28% em 2010 para 80% em 2020 11. Nos últimos 10 anos, foi constatado um aumento significativo na prevalência em todo o mundo.

Em relação aos fatores de risco, um estudo observou que os cães submetidos a tratamento antimicrobiano no último mês apresentaram um maior risco de desenvolver Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina do que Staphylococcus pseudintermedius sensível à meticilina 5. Em outro estudo, demonstrou-se que os animais que receberam antibióticos no ano anterior tiveram um maior risco de desenvolver multirresistência 11. O desenvolvimento de Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina também é relacionado com a exposição prévia a fluoroquinolonas 12.

Piodermite profunda com secreção serossanguinolenta.

Figura 5. Piodermite profunda. Note a área ulcerada com secreção serossanguinolenta.

©Jason B. Pieper

Diagnóstico

Citologia

A forma mais simples e eficaz de diagnosticar uma piodermite é através da citologia das lesões clínicas (pústulas, crostas, colaretes epidérmicos). Existem diversas técnicas para obtenção da amostra, incluindo o esfregaço por impressão direta, a prova de fita adesiva, a haste de algodão (swab), e o preparo da suspensão 13. A escolha da técnica para obtenção da amostra baseia-se nas características da lesão. Por exemplo, amostras de pústulas e úlceras podem ser facilmente coletadas por impressão direta por conta da presença de exsudato. A citologia com fita adesiva pode ser uma opção melhor para crostas e colaretes epidérmicos em virtude da natureza seca da lesão. A identificação de células inflamatórias com bactérias associadas (Figura 6) apoia o diagnóstico de piodermite, e a presença de cocos intracelulares dentro das células inflamatórias (Figura 7) confirma o diagnóstico 1.

Cultura bacteriana

Caso não se observe uma resposta com o tratamento empírico, deve-se realizar o exame de cultura bacteriana com antibiograma para determinar o antimicrobiano sistêmico mais adequado. No caso de piodermite, nunca é errado fazer uma cultura, mas há situações em que ela é altamente recomendável. Atualmente, recomenda-se a realização de cultura bacteriana com antibiograma com base nos seguintes critérios:

  1. redução das lesões em menos de 50% dentro de 2 semanas com um tratamento antimicrobiano sistêmico adequado;
  2. aparecimento de novas lesões clínicas (pápulas, pústulas, colaretes epidérmicos, crostas) 2 ou mais semanas após um tratamento antimicrobiano adequado com diagnóstico citológico de piodermite;
  3. presença de lesões clínicas após 6 semanas de tratamento antimicrobiano, juntamente com diagnóstico citológico de piodermite;
  4. identificação de bactérias intracelulares em forma de bastonetes na citologia;
  5. histórico prévio de infecção multirresistente no paciente ou em outro animal da casa 1

As pústulas são lesões ideais para amostragem, pois podem ser abertas para coletar seu conteúdo com um swab de cultura. A obtenção de amostras com swab de cultura também é uma boa opção para crostas com exsudato purulento embaixo delas. Se a lesão estiver completamente seca, como crosta ou colarete epidérmico, a técnica ideal consiste em embeber o swab de cultura com soro fisiológico antes de friccionar a pele. Com esse método, demonstrou-se a obtenção de um maior número de bactérias do que com um swab seco 14. Em nenhuma das técnicas mencionadas anteriormente, é necessária a desinfecção da superfície. Contudo, caso se planeje realizar a biopsia de pele para cultura tecidual, é aconselhável limpar a superfície para remover os contaminantes 1.

Imagem microscópica de amostra o que levanta a suspeita de piodermite

Figura 6. Imagem microscópica de amostra, onde se observam alguns pares ou grupos (clusters) de cocos extracelulares, o que levanta a suspeita de piodermite (aumento de 1000×).

©Jason B. Pieper

Intracellular pairs or clusters of cocci within neutrophils: suspicion of pyodermagrande número de pares ou grupos (clusters) de cocos intracelulares (dentro dos neutrófilos), o que confirmou o diagnóstico de piodermite

Figura 7. Nesta imagem, observa-se um grande número de pares ou grupos (clusters) de cocos intracelulares (dentro dos neutrófilos), o que confirmou o diagnóstico de piodermite (aumento de 1000×).

©Jason B. Pieper

Tratamento

O tratamento da piodermite superficial pode ser tópico ou sistêmico, ou uma combinação de ambos. Dado o aumento da resistência antimicrobiana, tem havido um maior interesse pelo uso de tratamentos tópicos, em vez dos sistêmicos 10. Em um estudo, não se observou nenhuma diferença entre o tratamento de piodermite superficial canina com um antimicrobiano sistêmico (amoxicilina-ácido clavulânico) e o tratamento com xampu e soluções tópicas de clorexidina por um período de 4 semanas 15

Tratamento tópico

Do ponto de vista histórico, o tratamento tópico é subutilizado nos casos de piodermite superficial 1, but it has the benefit of achieving a higher concentration of drug compared to what can be delivered systemically. mas uma das vantagens desse tratamento é a possibilidade de se atingir uma maior concentração do fármaco do que no tratamento aplicado por via sistêmica. Além disso, por ser aplicado diretamente na pele, a concentração do fármaco não é reduzida pelo metabolismo. Ao se optar pelo tratamento tópico, duas decisões precisam ser tomadas:

  1. qual ingrediente ativo deve ser usado e
  2. qual formulação seria ideal para a condição. 

Em relação aos ingredientes ativos, a clorexidina é o agente mais comumente utilizado e o mais acessível. Pode ser encontrada em diferentes concentrações (2 a 4%) e, às vezes, em combinação com um antifúngico, como miconazol, cetoconazol, ou climbazol. Os estudos disponíveis mostram que a concentração de clorexidina não está diretamente correlacionada com a eficácia. Por exemplo, um xampu com clorexidina a 4% não é superior a outro com clorexidina a 2% e miconazol a 2%. A clorexidina demonstrou ser igualmente eficaz para Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina e Staphylococcus pseudintermedius sensível à meticilina e, embora a resistência à clorexidina seja uma preocupação frequente, não há evidências sugestivas de que se trate de um problema clinicamente relevante 16.

O peróxido de benzoíla e o lactato de etila são os próximos ingredientes ativos mais comuns, depois da clorexidina. O peróxido de benzoíla demonstrou ser eficaz no tratamento de piodermite superficial, mas as formulações disponíveis são significativamente limitadas. Em alguns estudos, foram obtidos resultados diferentes quanto ao sucesso do tratamento; entretanto, cabe ressaltar que, para demonstrar a verdadeira atividade do peróxido de benzoíla, são necessários estudos in vivo, uma vez que a interação desse composto com a pele gera radicais livres altamente reativos, muito potentes contra as bactérias. O lactato de etila é semelhante ao peróxido de benzoíla em muitos aspectos, mas sua apresentação também é limitada e, tal como acontece com o peróxido de benzoíla, há necessidade de estudos in vivo para demonstrar a verdadeira atividade desse agente, uma vez que é necessária a interação com a pele, para que ele seja hidrolisado em etanol e ácido láctico 16

Alguns dos ingredientes ativos mais recentes que se mostraram bem-sucedidos no tratamento de piodermite superficial incluem o hipoclorito de sódio, o peróxido de hidrogênio acelerado, os compostos de prata, e os óleos essenciais ou extratos vegetais. O alvejante diluído, que contém hipoclorito de sódio como ingrediente ativo, demonstrou ser eficaz contra S. pseudintermedius 16, e também parece ser bem tolerado pela pele quando diluído a 0,005% em cães saudáveis 17. O hipoclorito de sódio está disponível em alguns países sob a forma de xampu e em combinação com o ácido salicílico. O peróxido de hidrogênio acelerado também se mostrou eficaz e, do mesmo modo, é encontrado na formulação de xampu. Os compostos de prata são de interesse quando utilizados em combinação com outros agentes ativos, como a clorexidina, e há vários produtos disponíveis. Alguns óleos essenciais e extratos vegetais são incorporados a produtos tópicos para auxiliar na resolução ou prevenção da piodermite 16.

A variedade de apresentações disponíveis para os tratamentos tópicos inclui xampus, sprays, lenços umedecidos, espumas, rinses (também conhecidos como enxaguantes ou soluções de irrigação), condicionadores, géis, cremes, e pomadas. Uma forma de decidir a formulação mais adequada é levar em conta a extensão das lesões, se generalizadas, localizadas ou focais. Se a piodermite for generalizada, o ideal seria usar xampus, sprays, espumas, rinses, e condicionadores. Para as lesões localizadas ou focais, lenços umedecidos, géis, cremes e pomadas são boas opções. Os xampus são, de longe, a apresentação mais frequentemente disponível e com a maior variedade de ingredientes ativos. Xampus, sprays e espumas costumam ser aplicados 2 a 3 vezes por semana até 7 dias após a resolução das lesões, mantendo o xampu em contato com a pele 10 minutos antes do enxágue. Lenços umedecidos, géis, cremes e pomadas devem ser usados diariamente 1.

Por fim, a energia luminosa fluorescente é uma técnica nova que foi recentemente utilizada em casos de piodermite superficial e profunda. Essa tecnologia combina luz fluorescente com cromóforos presentes em um gel para produzir fótons em diferentes comprimentos de onda e penetrar mais profundamente na pele. Dessa forma, a atividade biológica é alterada, promovendo a reparação cutânea e aumentando a atividade antimicrobiana. Foi demonstrado que essa técnica, quando utilizada como monoterapia em casos de piodermite superficial, é eficaz na resolução de lesões clínicas e diminui o tempo de tratamento necessário, em comparação com antimicrobianos sistêmicos 18.

Tratamento sistêmico 

Atualmente, recomenda-se que a duração do tratamento antimicrobiano sistêmico para piodermites superficiais seja de 21 dias ou 1 semana após a resolução das lesões clínicas, ao passo que, no caso de piodermites profundas, o tratamento é de 6 semanas ou mais 2 semanas após a resolução clínica. Essas recomendações continuam a ser avaliadas e podem mudar no futuro. No caso de piodermite profunda, é necessário instituir um tratamento sistêmico, pois é pouco provável que a terapia tópica chegue à área acometida. Como o uso responsável de antimicrobianos é um dos principais focos, foram desenvolvidas diretrizes para selecionar os antimicrobianos que podem ser usados em piodermites superficiais, dividindo-os em níveis (Tabela 1). Os antimicrobianos de primeiro nível são aqueles recomendados como tratamento empírico na ausência de cultura. As cefalosporinas de terceira geração se enquadram em uma zona cinzenta entre o primeiro e o segundo nível, em virtude das preocupações com o aumento na seleção de resistência antimicrobiana de microrganismos gram-negativos em locais distantes. Não é recomendável o uso dos antimicrobianos do segundo nível, a menos que se tenha realizado o exame de cultura com antibiograma, demonstrando ser a escolha mais apropriada. Os antimicrobianos de terceiro nível não devem ser utilizados a menos que não haja outra opção para tratar a infecção, uma vez que seu uso é reservado ao campo da medicina humana. Como as piodermites superficiais podem ser tratadas por via tópica, os antimicrobianos de terceiro nível não são recomendados nesses casos; o uso desses agentes é reservado para piodermites profundas que necessitam de tratamento sistêmico 1.

Em um estudo nos Estados Unidos, foi analisada a evolução da resistência antimicrobiana ao longo do tempo entre 2010 e 2021. Foi observado um aumento significativo na resistência à clindamicina, amoxicilina-ácido clavulânico, oxacilina, cefoxitina, cefpodoxima, tetraciclina, cloranfenicol, eritromicina, marbofloxacino, e gentamicina. Os únicos dois antimicrobianos avaliados que não apresentaram um aumento de resistência nesse período foram a cefalotina e as sulfonamidas 10. Esse fato demonstra a necessidade de seguir as diretrizes sobre o uso racional de antimicrobianos e utilizar os antimicrobianos sistêmicos com critério, conforme indicado no sistema de níveis.

Tabela 1. Níveis de antimicrobianos sistêmicos.

Nível Antimicrobiano

1° Nível

  • Primeira opção como tratamento empírico da piodermite
  • Clindamicina ou lincomicina
  • Cefalosporina de primeira geração (p. ex., cefalexina, cefadroxila)
  • -ácido clavulânico
  • Sulfonamidas potencializadas com trimetoprima ou ormetoprima
1° ou 2° Nível
  • Cefalosporinas de terceira geração (cefpodoxima, cefovecina)

2° Nível 

  • Quando o tratamento empírico e o tópico não são apropriados, e a cultura indica sensibilidade
  • Antimicrobianos de primeiro nível (clindamicina, sulfonamidas potencializadas, cefalosporinas) quando a cultura indica sensibilidade
  • Doxiciclina ou minociclina
  • Cloranfenicol
  • Fluoroquinolonas (enrofloxacino, marbofloxacino, orbifloxacino, pradofloxacino, ciprofloxacino)
  • Rifampicina
  • Aminoglicosídeos (amicacina, gentamicina)

3° Nível 

  • Quando o 1º e o 2º Níveis (bem como o tratamento tópico) não são apropriados, e a cultura indica sensibilidade
  • Linezolida
  • Teicoplanina
  • Vancomicina

 

Estado de portador

Uma vez resolvida a piodermite, é importante ter em mente que existe uma grande probabilidade de que a microbiota normal contenha o mesmo microrganismo que foi tratado. Em um estudo, descobriu-se que quase metade (45,2-47,6%) dos cães com piodermite causada por Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina tinham esse microrganismo na pele ou em outros locais como portadores após a resolução da infecção 19. Quase tão alarmante quanto é o fato de que, após tratar com sucesso cães com piodermite por Staphylococcus pseudintermedius sensível à meticilina, o Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina  foi detectado na pele ou em locais como portadores em 38,3% dos casos 19. A tentativa de descolonizar cães infectados por Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina, como é feito em seres humanos com Staphylococcus aureus resistente à meticilina, não é uma prática bem-sucedida. Além disso, foi demonstrado que, quando cães assintomáticos estão em contato com cães infectados, a porcentagem de positivos para Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina é semelhante (67,4% versus 66,7%), o que demonstra o potencial de transmissão bacteriana em cães contactantes da casa 20. Nesse estudo, observou-se que o estado de portador de Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina se manteve de forma intermitente até 10 meses após a infecção, o que justifica a realização de culturas em animais com piodermite com histórico positivo para esse microrganismo no último ano.

Jason B. Pieper

A alimentação também pode ser útil na prevenção da piodermite, bem como na redução da recorrência e da gravidade dos sinais clínicos da dermatite atópica. Em um estudo em cães com dermatite atópica submetidos a uma alimentação adequada, observou-se uma diminuição dos sinais de dermatite atópica durante um período de 9 meses

Jason B. Pieper

Prevenção de piodermites recorrentes

Na maioria dos casos, a piodermite é uma doença secundária; por essa razão, deve-se identificar e controlar a doença primária para prevenir recorrências 1. A dermatite atópica é um precursor primário comum da piodermite canina e, nesses casos, o tratamento deve ser direcionado ao controle da atopia, a fim de evitar o uso excessivo de antimicrobianos. Em um estudo na Austrália, verificou-se que cães com dermatite atópica tratados com oclacitinibe receberam menos tratamentos antimicrobianos do que outros do grupo-controle 21. A alimentação também pode ser benéfica na prevenção de piodermite, bem como na redução da recorrência e da gravidade dos sinais clínicos da dermatite atópica. Em um estudo em cães com dermatite atópica submetidos à alimentação adequada, observou-se uma diminuição significativa nos sinais dessa dermatite durante um período de 9 meses 22.

Considerações zoonóticas

Uma preocupação comum dos tutores de cães com piodermite é o potencial zoonótico. Existe um claro risco de transferência de bactérias dos pets para o tutor e vice-versa 1. Em um estudo realizado em Taiwan, demonstrou-se um maior risco de colonização por S. pseudintermedius em cuidadores de três ou mais cães e naqueles que permitem a lambedura de seu rosto pelo cão 5. Se os tutores forem colonizados por Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina do animal, a mutação genética desse microrganismo poderá ser transferida para a microbiota normal de Staphylococcus spp. do tutor, o que pode acarretar o risco de infecções por Staphylococcus resistente à meticilina 7.

Considerações finais

A resistência bacteriana está aumentando significativamente em casos de piodermite. Por essa razão, o tratamento tópico deve ser a primeira escolha para evitar que as bactérias desenvolvam ainda mais resistência aos antimicrobianos sistêmicos. Ao utilizar a terapia antimicrobiana sistêmica, é crucial seguir uma abordagem gradual (ou seja, em níveis). Os antimicrobianos de nível 1 são ideais para o tratamento empírico, mas os de nível 2 só devem ser utilizados quando os resultados da cultura indicarem suscetibilidade a eles.

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Jason B. Pieper

Jason B. Pieper

O Dr. Pieper se formou como bacharel em ciências veterinárias (BVSc) pela Universidade de Nebraska-Lincoln Leia mais

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