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Veterinary Focus

Número da edição 26.2 Outros conteúdos científicos

Prurido no cão: causas e tratamentos

Publicado 27/05/2024

Escrito por Frédéric Sauvé

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español e English

Entender o que faz um animal se coçar é o primeiro passo para o sucesso do tratamento do cão com prurido, conforme descrito neste artigo.

Bull Terrier

Pontos-chave

Para tratar o prurido, deve-se adotar uma abordagem sistemática para confirmar ou descartar as principais causas em primeiro lugar.


A fisiopatologia do prurido varia dependendo da doença. Os diferentes mediadores explicam, em parte, a falta de resposta a certos agentes antipruriginosos.


Embora existam diversas estratégias terapêuticas que podem ser aplicadas para controlar o prurido, nenhuma delas é eficaz em todos os casos.


O melhor tratamento antipruriginoso é aquele que trata a etiologia da condição caso a cura seja possível ou aquele com menos efeitos colaterais.


Introdução: o que é o prurido?

Prurido ou coceira é definido como “a sensação desagradável que, nos animais, provoca o reflexo de se coçar, se morder, se esfregar em superfícies ou se lamber excessivamente” 1,2. Às vezes, os sinais de prurido podem ser sutis e simplesmente causar perda de pelo (alopecia autoinfligida), mas, em outros casos, podem gerar lesões cutâneas 3. Esse comportamento é a forma de o animal se proteger contra irritantes externos (como insetos, produtos químicos agentes, ou plantas venenosas 1,2,4), em casos crônicos, no entanto, pode afetar negativamente a qualidade de vida dos animais e de seus tutores 5.

O prurido é um dos principais motivos de consulta em dermatologia de pequenos animais 2. Na medicina humana, a classificação do prurido baseia-se no tipo (agudo, crônico, neuropático, pruriceptivo, ou psicogênico) ou na apresentação clínica (dermatológica, sistêmica, neurológica, psicogênica, mista, ou outra) 1,6,7. Embora não exista uma clara classificação do prurido em animais, já foram descritas etiologias dermatológica (Figura 1), psicogênica (Figura 2) e neuropática (Figura 3), dependendo da origem 2,3. Em animais, o mais frequente é que o prurido esteja associado a uma etiologia dermatológica, mas é impossível definir a sensação exata experimentada pelo animal com precisão 3. Na verdade, existem várias sensações, mais bem descritas no ser humano, como queimação, formigamento, ardor ou dormência 1, que podem fazer com que um animal se arranhe ou se morda 3.

Alopecia autoinfligida localizada no pavilhão auricular e na região periauricular em cão com sarna sarcóptica

Figura 1. Alopecia autoinfligida localizada no pavilhão auricular e na região periauricular em cão com sarna sarcóptica (distúrbio de pele).

© Frédéric Sauvé

A manifestação do prurido é o resultado fisiológico da resposta motora induzida pela estimulação do tálamo. A ativação talâmica varia, dependendo dos neurônios estimulados – que, no caso, podem ser histaminérgicos ou não histaminérgicos 1,2,8. Embora existam vários mediadores envolvidos no prurido, há principalmente duas vias neurofisiológicas que encaminham o sinal do prurido da pele para o tálamo. A primeira é a via ativada pela histamina, envolvendo aferentes primários que não respondem a estímulos mecânicos, e a segunda é uma via independente da histamina induzida pela ativação de nociceptores cutâneos 1,2,9. Os pruriceptores estão presentes na pele, mas não está claro se eles realmente são distintos dos nociceptores 9,10.

Quando uma substância irritante provoca uma reação cutânea súbita (aguda), os pruriceptores são ativados, fazendo com que as células locais liberem uma grande quantidade de substâncias geradoras de prurido. As células da pele mais eficazes na liberação dessas substâncias (histamina, citocinas, proteases e quimiocinas) são os queratinócitos, mastócitos e basófilos. A molécula-chave relacionada com prurido agudo é a histamina, a qual se liga aos receptores H1 e H4 nas terminações nervosas histaminérgicas livres 2,7,8. Se o prurido e a inflamação resultantes de um gatilho conseguirem suprimir o agente agressor, o prurido não deve persistir por mais do que alguns dias 7.

Vermelhidão da pele ao redor da região inguinal de um Doberman Pinscher

Figura 2. Vermelhidão da pele ao redor da região inguinal, estendendo-se para o lado esquerdo em Doberman Pinscher, após mordiscamento repetido dessa área do corpo (distúrbio psicogênico).

© Frédéric Sauvé

Contudo, o prurido crônico, ao contrário do prurido agudo, é geralmente induzido por estímulos químicos ou mecânicos não histaminérgicos, causados por uma doença sistêmica ou cutânea. Esse tipo de prurido crônico envolve uma série de processos complexos que levam à liberação constante de mediadores 1,4. A exposição crônica a substâncias que causam prurido pode levar à sensibilização periférica ou mesmo central 1,8. Esse fenômeno de sensibilização, definido como um aumento da sensibilidade a estímulos pouco ou nada pruriginosos 1, não está bem descrito em gatos e cães. Contudo, a sensibilização periférica ou central pode desempenhar um papel importante após a exposição crônica a mediadores inflamatórios, uma vez que isso pode modificar o limiar do prurido, particularmente no caso de alergia. Em nível periférico, esse limiar pode ser alterado por diversos mecanismos, como o aumento intraepidérmico de pruriceptores ou a elevação do número de mastócitos 1,8,9,10,11. Em nível central, o prurido constante pode modificar a transmissão do sinal dessa sensação ao longo da medula espinal e da via espinotalâmica e alterar as funções e a estrutura do cérebro 8,10,11.

Esse breve resumo da fisiopatologia do prurido pode nos ajudar a compreender melhor por que muitos animais com prurido crônico não respondem aos anti-histamínicos, por exemplo, em caso de alergia, ou por que às vezes pode ser necessária a administração concomitante de vários agentes antipruriginosos.

Ferida autoinfligida no leito ungueal de um cão

Figura 3. Síndrome de mutilação acral em Spaniel Francês. O leito ungueal fica exposto, e há uma grande área alopécica na superfície dorsal do dedo. Essas lesões são autoinfligidas (distúrbio neuropático).
© Frédéric Sauvé

Abordagem global ao prurido

Ao se deparar com um caso de cão com prurido, o primeiro passo consiste em obter o histórico médico completo, incluindo os dados levantados através de um questionário dermatológico (Figura 4) e as informações relacionadas com outros sistemas (por exemplo, se um cão lambe excessivamente um de seus membros, isso pode ser um sinal de dor secundária à osteoartrite, e não um sinal de prurido). A utilização da escala visual analógica1 (Figura 5), em que o tutor avalia o grau do prurido marcando em uma linha a intensidade de percepção da coceira, pode ser muito útil tanto no exame inicial como no acompanhamento. Dados do histórico, como a idade em que os sinais clínicos apareceram pela primeira vez e a raça, às vezes podem ajudar no diagnóstico. Por exemplo, a presença de “prurido fantasma” (sem contato com a pele) próximos à região cervical em Cavalier King Charles Spaniel é altamente sugestiva de otite média secretora primária – que, muitas vezes, está associada à siringomielia 12. Da mesma forma, a lambedura ou mordiscamento do flanco em Doberman Pinscher jovem pode sugerir um problema comportamental 3,13.

1 https://www.cavd.ca/images/CAVD_ITCH_SCALE.pdf

escala visual analógica de prurido

Figura 5. A escala visual analógica foi elaborada para medir a gravidade do prurido. O tutor pode marcar em qualquer lugar da linha o ponto onde ele acredita estar o nível de prurido de seu pet. Assim, por exemplo, 2 = prurido muito leve, 6 = episódios regulares de prurido moderado, 10 = prurido extremamente intenso/quase contínuo.

O segundo passo é identificar as lesões cutâneas e sua distribuição. Por exemplo, lesões lombossacras podem sugerir dermatite alérgica à picada de pulga, enquanto prurido na região ventral e face pode indicar dermatite atópica (Figura 6) 14.

Eritema ventral em um Bull Terrier

Figura 6. Dermatite atópica em cão da raça Bull Terrier. Eritema generalizado nas áreas ventrais, incluindo focinho e queixo. Note a liquenificação nas axilas e na região abdominal, associada em alguns locais a crostas amareladas, o que reflete a cronicidade da dermatite. Estas são as regiões do corpo classicamente afetadas pela dermatite atópica em cães.
© Frédéric Sauvé

Uma vez realizado o exame físico, devem-se descartar as causas mais comuns de prurido, incluindo infecções cutâneas (bacterianas e fúngicas), ectoparasitas, e hipersensibilidade cutânea associada a alérgenos alimentares ou ambientais 14,15. Isso exige uma abordagem rigorosa e sistemática, seguindo uma série de passos lógicos, para confirmar ou descartar uma infecção cutânea ou infestação parasitária antes de abordar a possibilidade de alergia alimentar ou ambiental. Caso se observem pústulas, colaretes epidérmicos ou lesões crostosas, erodidas ou ulceradas, deve-se realizar o exame citológico (Figura 7) das lesões. Essa avaliação é essencial e permite identificar uma infecção ou proliferação bacteriana (por exemplo, Staphylococcus) ou fúngica (por exemplo, Malassezia, Candida) que pode causar o prurido ou, no mínimo, contribuir com o quadro 2,14,15. Em caso de eritema (quer seja associado ou não a pápulas, alopecia, comedões, ou lesões crostosas ou descamativas), recomenda-se investigar a presença de ectoparasitas por meio de raspado de pele, pente antipulga, prova de fita adesiva, ou esfregaço otológico 2,14,15. Às vezes, a busca por ectoparasitas é infrutífera, e a única forma de confirmar ou descartar essa hipótese diagnóstica é através de um ensaio terapêutico com antiparasitário de amplo espectro 14.

 

Figura 7. Diferentes técnicas de amostragem para exame citológico: (a) swab; (b) esfregaço por impressão; (c) fita adesiva. A escolha da técnica deve levar em conta o tipo de lesão (crostas, úlceras, fístulas, etc.) para otimizar os resultados da citologia.

© Frédéric Sauvé

Técnica para exame citológico: swab

a

Técnica para exame citológico: esfregaço de impressão

b

Técnica para exame citológico: fita adesiva

c

Outros testes diagnósticos potencialmente úteis incluem varredura com luz ultravioleta (lâmpada de Wood), cultura fúngica, ou prova de reação em cadeia da polimerase (PCR) para pesquisa de dermatófitos, cultura bacteriana, e biopsias de pele 2,15. Entretanto, a biopsia cutânea não costuma ser útil no diagnóstico etiológico de dermatopatia pruriginosa. Esse exame deve ficar reservado para os casos clínicos atípicos ou quando o animal é irresponsivo aos tratamentos antimicrobianos ou antiparasitários e não foi demonstrada hipersensibilidade cutânea. A biopsia é recomendada na suspeita de doença autoimune (como pênfigo foliáceo) (Figura 8) ou tumor (como linfoma epiteliotrópico cutâneo) 2,15.

Uma vez descartadas as infecções e infestações cutâneas, investiga-se uma possível hipersensibilidade através da implementação de uma dieta de eliminação durante 8 semanas. Para isso, deve-se usar um alimento veterinário com fonte de proteína hidrolisada (de preferência, uma fonte nova para o animal). Alternativamente, pode-se utilizar um alimento com uma fonte proteica que seja nova para o animal em particular, mas é preciso ter em mente que muitas reações cruzadas já foram demonstradas entre diferentes fontes de proteína de origem animal. A realização de testes de alergia (sejam intradérmicos ou sorológicos) deve ser a última etapa do processo de investigação diagnóstica se o prurido persistir apesar da dieta de eliminação. Cabe ressaltar que o diagnóstico de dermatite atópica se baseia nos antecedentes, no histórico médico e na apresentação clínica compatível com hipersensibilidade na ausência de infecção, infestação, ou reação adversa a alimentos. Os testes de alergia servem apenas para identificar os possíveis alérgenos ambientais e iniciar a imunoterapia alergênica 14,15.

Lesões crostosas típicas de pênfigo foliáceo

Figura 8. (a) A distribuição das lesões crostosas neste Akita é típica do pênfigo foliáceo. Observe o envolvimento do nariz, com despigmentação, erosões e úlceras, além de crostas em seu aspecto dorsal. Embora a identificação de (b) queratinócitos acantolíticos acompanhados de neutrófilos no exame citológico de amostra obtida abaixo da crosta seja sugestiva de pênfigo foliáceo, o exame histopatológico é necessário para confirmar o diagnóstico definitivo.
© Frédéric Sauvé

Manejo do prurido: noções gerais

As principais causas do prurido podem ser agrupadas em quatro categorias principais: parasitas, distúrbios cutâneos inflamatórios (infecciosos, irritantes e autoimunes ou imunomediados), alergias, e neuropatias/neoplasias 2,15. Essas categorias não são mutuamente exclusivas, pois é possível que o prurido seja causado por duas condições diferentes concomitantes. A melhor forma de controlar o prurido é removendo o agente causal do ambiente. A cura é possível quando se consegue identificar e eliminar o fator irritante (contato com planta tóxica ou substância química; corpo estranho; uso recente de xampu, protetor solar, spray ou pó inseticida; coleira antipulgas; etc.). Da mesma forma, os antimicrobianos e antiparasitários são a melhor opção terapêutica antipruriginosa em caso de infecção cutânea e/ou na presença de ectoparasitas. No caso de alergias de pele, incluindo alergia à picada de pulga, dermatite atópica e reação adversa a alimentos, a resolução dos sinais pode ser alcançada evitando o alérgeno 16. Na dermatite alérgica à picada de pulga, devem ser tomadas medidas eficazes para erradicar as pulgas e, nas reações adversas à alimentação, o controle rigoroso da dieta ajuda a controlar o prurido; no entanto, raramente é possível evitar os alérgenos ambientais. Nesse caso, devem ser utilizadas outras estratégias a longo prazo, como imunoterapia alergênica, agentes antipruriginosos esteroides ou não esteroides, e terapias biológicas 16. As possíveis causas de alergia cutânea incluem hipersensibilidade a medicamentos e dermatite de contato e, nesses casos, a suspensão do fármaco ou a remoção da substância ou objeto desencadeante da reação deve acabar com o prurido. Por fim, quando há suspeita de origem psicogênica ou neurogênica, os tratamentos preferidos englobam os agentes modificadores de comportamento (como antidepressivos tricíclicos ou inibidores seletivos da recaptação de serotonina 2,8), ou outros direcionados a vias neurológicas periféricas ou centrais (como gabapentina ou pregabalina) 2,8,9.

Frédéric Sauvé

A biopsia de pele geralmente não é útil na identificação da etiologia da doença cutânea pruriginosa. Essa ferramenta deve ser reservada para os casos clínicos atípicos ou quando o animal não responde aos tratamentos antimicrobianos ou antiparasitários e não foi demonstrada hipersensibilidade cutânea

Frédéric Sauvé

Tratamentos antipruriginosos

Prurido agudo

Os fármacos antipruriginosos podem ser úteis a curto prazo para o rápido alívio do desconforto do animal enquanto se tenta identificar e controlar o agente causal. Nesse caso, o tratamento mais eficaz costuma envolver o uso de glicocorticoides tópicos ou sistêmicos (em doses anti-inflamatórias) em virtude de seu potente efeito anti-inflamatório e da rápida ação. Esses fármacos atuam em diferentes pontos da cascata da inflamação e das vias do prurido; por essa razão, se utilizados da devida forma, eles são particularmente eficazes nos casos de dermatoses inflamatórias pruriginosas 2,16,17,18. No entanto, os glicocorticoides (tópicos e sistêmicos) apresentam muitos efeitos colaterais (Tabela 1), sobretudo quando usados por um longo período de tempo (Figura 9).

Tabela 1. Efeitos colaterais relatados após a administração sistêmica e tópica de glicocorticoides.

Sistema Efeitos colaterais
Sistema tegumentar
  • Atrofia cutânea
  • Alopecia
  • Comedões
  • Vasos sanguíneos dérmicos proeminentes
  • Flebectasia
  • Púrpura
  • Bolhas subepidérmicas
  • Hipopigmentação
  • Retardo na cicatrização de feridas
  • Piodermite bacteriana
  • Sarna demodécica
  • Calcinose cutânea
  • Descamação
Sistema cardiovascular/metabólico
  • Hipertensão arterial
  • Respiração ofegante
  • Hiperlipidemia
  • Intolerância à glicose
  • Hepatomegalia
  • Redistribuição da gordura, obesidade
  • Polifagia
  • Poliuria, polidipsia
Sistema endócrino
  • Infertilidade, anestro, atrofia testicular
  • Abortamento espontâneo
  • Retardo no crescimento
  • Atrofia adrenal
  • Hiperadrenocorticismo iatrogênico 
  • Alterações dos hormônios tireoidianos
Sistema gastrointestinal
  • Úlceras gastrointestinais
  • Sangramento gástrico
  • Perfuração intestinal
Sistema musculoesquelético
  • Osteoporose
  • Atrofia, fraqueza muscular 
  • Distensão abdominal
  • Intolerância ao exercício
  • Frouxidão ligamentar
Outros
  • Imunossupressão
  • Mudanças de comportamento (irritabilidade, agressividade, letargia)
  • Glaucoma, cataratas
  • Neuropatia periférica
calcinose cutânea e comedões ao redor da região genital

Figura 9. Efeitos colaterais cutâneos após a administração oral prolongada de glicocorticoides em cão com dermatite atópica. Note a presença de calcinose cutânea e comedões ao redor da região genital, além de enrugamento da pele do abdômen, sugerindo pele fina e hipotônica.
© Frédéric Sauvé

Prurido crônico

Não existe uma única solução capaz de controlar todos os tipos de prurido de uma forma eficaz. A maioria dos estudos publicados sobre tratamentos antipruriginosos tem se concentrado na dermatite alérgica e avaliado a ação em diversos alvos terapêuticos. As citocinas com potencial para induzir prurido na dermatite atópica canina incluem interleucinas (IL)-4, IL-13, IL-31 e IL-33, bem como a linfopoetina estromal tímica (TSLP) 1,7,16,19. Esta última está relacionada com uma resposta imune tipo 2 (linfócitos T helper tipo 2) (enquanto em gatos, em que há menos estudos, a histamina, a IL-4 e a IL-31 são possíveis mediadores do prurido 16,20).

Nos casos de prurido crônico causado por alergia, embora tratamentos tópicos como glicocorticoides e tacrolimo a 0,1% possam ser eficazes, a aplicação desses agentes  geralmente é limitada pela pelagem do animal, pela superfície das áreas a serem tratadas e, apesar de ser um comportamento mais frequente em gatos, pela lambedura 2,18,21. Nos casos de prurido crônico e generalizado, é preferível utilizar o tratamento sistêmico. Os tratamentos antipruriginosos sistêmicos utilizados com maior frequência são glicocorticoides, oclacitinibe, ciclosporina, e lokivetmabe (Tabela 2).

Tabela 2. Tratamentos antipruriginosos sistêmicos para controlar o prurido em cães, principalmente com hipersensibilidade cutânea.

Tratamento Dosagens
Predniso(lo)na/
Metilprednisolona
0,5 mg/kg por via oral a cada 24 horas até controlar o prurido; a frequência e dose devem ser reduzidas gradativamente até que se encontre a dose/frequência ideal para manter o conforto do animal.
Oclacitinibe 0,4-0,6 mg/kg por via oral a cada 12 horas durante 14 dias e, depois, a cada 24 horas. Pode ser administrado inicialmente a cada 24 horas em casos de prurido leve a moderado.
Ciclosporina 5 mg/kg por via oral a cada 24 horas durante 4 a 6 semanas. Em seguida, a dose e/ou a frequência de administração podem ser ocasionalmente reduzidas. A administração de cápsulas congeladas ou de uma solução oral refrigerada ajuda a reduzir os efeitos colaterais gastrointestinais.
Lokivetmabe 1-2 mg/kg por via subcutânea a cada 4 semanas ou conforme a necessidade.

Glicocorticoides

A prednisona e a metilprednisolona continuam sendo os glicocorticoides orais mais comumente utilizados. Essa classe medicamentosa é uma opção acessível e eficaz para tratar episódios agudos de prurido e controlar dermatoses crônicas, desde que as doses e a frequência de administração sejam baixas 2,17,19. Fármacos injetáveis de ação prolongada devem ser evitados em virtude de seus efeitos colaterais.

Oclacitinibe

O oclacitinibe é o tratamento de escolha para prurido agudo e crônico em cães com mais de 12 meses de idade devido ao seu rápido início de ação (o pico plasmático é atingido em 1 hora). Trata-se de um inibidor da via de sinalização Janus Quinase/Transdutores de Sinal e Ativadores de Transcrição (JAK/STAT), bloqueando a atividade de importantes citocinas envolvidas no prurido, como IL-4, IL-13 e, principalmente, IL-31 21.

Ciclosporina

A ciclosporina inibe a calcineurina nos linfócitos T CD4+, o que altera a liberação de citocinas potencialmente inflamatórias ou pruritogênicas. A ciclosporina oral é indicada no controle da dermatite alérgica por seus efeitos na resposta imune (redução na síntese de IL-2 e IL-4, alteração no número de mastócitos e seu conteúdo de histamina, modificação na sobrevivência e função dos eosinófilos, e redução na IL-31 sérica) 22,23. Contudo, a ciclosporina precisa ser administrada por, no mínimo, 4 semanas para notar qualquer diminuição do prurido em cães, o que a torna mais útil no tratamento de condições crônicas 2,17

Lokivetmabe

O lokivetmabe é um tratamento biológico indicado exclusivamente para cães. Trata-se de um anticorpo monoclonal “caninizado” direcionado contra a IL-31 circulante. É muito eficaz no controle do prurido, principalmente aquele associado à dermatite atópica. Esse tratamento surgiu graças à descoberta de um fato importante: o papel crítico da IL-31 como mediador do prurido na dermatite atópica canina 21,24. Além de ser um fármaco muito seguro, não há interações conhecidas com outros medicamentos ou doenças associadas. Esse fármaco é indicado para o tratamento de prurido agudo ou crônico, uma vez que leva menos de 3 dias para fazer efeito 21.

Anti-histamínicos

Pelas razões mencionadas anteriormente, os efeitos benéficos dos anti-histamínicos são limitados. Na melhor das hipóteses, eles podem ser utilizados para tratar os casos de prurido leve, como tratamento ocasional ou regular, uma vez controlado o episódio de prurido agudo 2,17. Além disso, muitas vezes é necessário experimentar vários anti-histamínicos, a fim de encontrar o mais adequado para um animal em particular.

Outros

A amitriptilina é um antidepressivo tricíclico com propriedades anti-histamínicas. Estudos demonstraram um controle (pelo menos, parcial) do prurido em cerca de 32% dos cães 25. Outros tratamentos (como misoprostol, arofilina, pentoxifilina, e azatioprina) também foram estudados, mas os resultados não sugerem que sejam especificamente eficazes no controle do prurido 2

Considerações finais

O segredo para tratar o prurido com sucesso é adotar uma abordagem sistemática que permita descartar as diferentes causas possíveis, uma a uma. Manter uma boa comunicação com o cliente e utilizar ferramentas de apoio na clínica, como diagramas, algoritmos ou fichas informativas, ajudarão a garantir a participação do tutor durante todo o processo e a compreensão dele dos passos a seguir. É recomendável a realização de exames periódicos e avaliações regulares da intensidade do prurido para confirmar se o diagnóstico e o tratamento são adequados. Como as dermatoses pruriginosas crônicas podem afetar gravemente a saúde psicológica e física tanto dos animais como de seus tutores, uma melhor compreensão da patogênese da doença e dos mediadores envolvidos no prurido ajudará a garantir a utilização mais eficiente dos diferentes tratamentos disponíveis. Dessa forma, os tutores podem ficar tranquilos na certeza de que seus pets desfrutarão de maior conforto e bem-estar.

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Frédéric Sauvé

Frédéric Sauvé

O Dr. Sauvé se formou pela Universidade de Montreal em 1996 e, posteriormente, fez mestrado em Ciências e residência em Dermatologia Veterinária na mesma instituição Leia mais

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