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Veterinary Focus

Número da edição 29.1 Outros conteúdos científicos

Peritonite Infecciosa Felina

Publicado 04/01/2021

Escrito por Elizabeth A. Berliner

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español e English

O agente causal da PIF provavelmente é o vírus mais evasivo e frustrante de diagnosticar e tratar dos muitos vírus que afetam o gato. Elizabeth Berliner oferece uma revisão da doença e algumas dicas sobre os tratamentos que estarão disponíveis muito em breve.

Peritonite Infecciosa Felina

Pontos-chaves

A Peritonite Infecciosa Felina (PIF) é o resultado de uma mutação do coronavírus felino (FCoV, sigla em inglês) ubíquo.


Os fatores de risco de PIF incluem gatos com menos de 2 anos de idade, alojamento em grupos e exposição a eventos estressantes, incluindo os procedimentos cirúrgicos e a introdução em um novo lar.


A obtenção do diagnóstico muitas vezes não é uma tarefa fácil e depende de uma combinação de informações coletadas no histórico e nos sinais clínicos, apoiadas por testes diagnósticos; a sorologia para a detecção de FCoV nunca deve ser usada isoladamente para fazer um diagnóstico de PIF.


Os sinais clínicos da PIF (geralmente, um quadro terminal) costumam evoluir com muita rapidez. Embora o tratamento tradicional seja pouco satisfatório, atualmente existem algumas terapias experimentais promissoras sob investigação


 

Introdução

A Peritonite Infecciosa Felina (PIF) surge como consequência de uma mutação do coronavírus felino (FCoV), que é um vírus ubíquo e relativamente inofensivo. Foi descrito pela primeira vez em 1963  1 e, desde sua descoberta, o surgimento e a elevada incidência de PIF foram associados a práticas de criação com gatos alojados em grupos; isso inclui instalações de reprodução e abrigos. Em 1947, foi comercializada pela primeira vez uma ninhada de gatos nos Estados Unidos  2— um reflexo da mudança de papel do gato como animal de companhia em ambientes domésticos fechados; nas décadas seguintes, houve um aumento na população de gatos de criadores e abrigos, criando oportunidades para a transmissão e ampliação de doenças infecciosas em grupos de gatos. Até o momento, a PIF é uma enfermidade que tem se esquivado tanto de medidas preventivas como da cura; além disso, o diagnóstico antemortem continua sendo um grande desafio clínico. As pesquisas atuais incluem ferramentas diagnósticas baseadas em sequenciamento molecular e ensaios clínicos de novas terapias; ambas as linhas de pesquisa representam um avanço promissor. 

Etiologia e patogênese

O coronavírus felino é um grande RNA vírus envelopado de fita simples e polaridade positiva. Os coronavírus em geral exibem uma alta taxa de mutação durante a replicação, o que leva à recombinação e transmissão dentro das espécies e entre elas. 

Atualmente, considera-se que o FCoV tenha dois sorotipos: tipo I, que é a forma mais prevalente encontrada no mundo todo em gatos naturalmente acometidos (com alguma variação geográfica), e tipo II, que surgiu da recombinação entre o FCoV tipo I e o coronavírus canino. Embora o tipo I predomine em infecções felinas naturais, a maioria das pesquisas foi conduzida com o tipo II por se tratar de um tipo mais facilmente propagado em laboratório. Ambos os sorotipos do FCoV (tipos I e II) foram implicados no desenvolvimento da PIF 3.  Existem diferenças genéticas nas proteínas S (de spike ou espícula) dos tipos I e II (Figura 1) — diferenças consideradas importantes na transformação dos FCoVs comuns em FCoVs causadores de PIF (denominado a partir daqui de vírus da PIF).

 

 

 

 

Figura 1. Representação esquemática do antígeno viral do FCoV. As proteínas de espícula (S), de membrana (M) e do envelope (E) estão ancoradas à membrana bilipídica. As proteínas S e M são importantes para a entrada nas células, e as pesquisas recentes sugerem que mutações pontuais no gene S desempenhem um papel relevante na transformação do FCoV em vírus da PIF. © Sandrine Fontègne

A principal via de transmissão do FCoV é orofecal, juntamente com a inoculação oronasal do vírus por transmissão direta ou através de objetos contaminados (conhecidos como fômites), como bandejas sanitárias (i. e., caixas de granulado de areia) ou outras superfícies. Após a inoculação, o FCoV se desloca para os enterócitos, onde o vírus se replica. As infecções pelo FCoV são geralmente subclínicas, mas podem resultar em diarreia autolimitante, uma vez que o vírus afeta o epitélio intestinal.  

A transformação do FCoV comum no vírus letal da PIF envolve mutações pontuais específicas no genoma do RNA. As características estruturais de interesse são as proteínas virais de espícula (S) e de membrana (M) que permitem a entrada e a saída do vírus das células (Figura 1). Acredita-se que a compreensão das mutações pontuais específicas seja a chave para destravar essa transformação letal; os esforços atuais estão concentrados principalmente nos genes S e 3c, sendo o gene S o mais frequentemente envolvido em estudos laboratoriais até o momento 4..

O macrófago é a principal célula-alvo na PIF. Mutações pontuais no genoma do FCoV alteram o tropismo epitelial do vírus pelo tropismo por macrófagos. Assim, o vírus resultante é capaz de sobreviver e se replicar nos macrófagos, espalhando-se para os órgãos e outros tecidos. Os macrófagos infectados internalizam o antígeno, o que permite ao vírus contornar a lise dependente de anticorpos, enquanto o complemento é ativado, aumentando o influxo de outras células inflamatórias para os tecidos infectados. Como consequência da ativação da resposta imune humoral, ocorre o depósito de imunocomplexos (complexos antígeno-anticorpo) ao longo dos vasos, causando uma vasculite profunda e generalizada. 

Aproximadamente 50% dos casos de PIF desenvolvem a doença efusiva, enquanto os outros 50% apresentam uma manifestação granulomatosa menos efusiva; no entanto, a classificação típica da doença pode levar a erros, uma vez que o espectro clínico dessa enfermidade varia de sinais efusivos a não efusivos. Acredita-se que essa variação dos sinais clínicos dependa do tipo de resposta imune mais ativa: uma resposta humoral resulta em um quadro mais efusivo, ao passo que a resposta do sistema complemento exibe a apresentação mais granulomatosa 

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Elizabeth A. Berliner

O FCoV é um vírus ubíquo com altas taxas de soroprevalência em ambientes com gatos alojados em grupos, como gatis e abrigos

Elizabeth A. Berliner

Epidemiologia e fatores de risco

O FCoV é um vírus ubíquo, com taxas de soroprevalência que variam de 25% em domicílios com um único gato a 75-100% em ambientes com gatos alojados em grupos, como gatis e abrigos  6 7.  A mutação fatal do vírus da PIF é uma ocorrência relativamente rara; a incidência relatada de PIF em gatos soropositivos para o FCoV varia de 1 a 12%, e as taxas mais altas correspondem a dados antigos, quando se estudava principalmente a população de gatis 8 9. Em geral, estima-se (com base na literatura especializada) que, após a exposição ao FCoV, 5-10% dos gatos sejam resistentes ao vírus, 70-75% sofram uma infecção transitória por semanas a meses, 10-15% se tornem eliminadores crônicos do vírus para o ambiente e menos de 3% desenvolvam a PIF 9.

A hipótese mais aceita sobre “mutação interna” postula que as mutações pontuais responsáveis pelo vírus da PIF ocorrem em certos gatos, dependendo de fatores virais (tipo de cepa e mutabilidade do FCoV), fatores ambientais (superlotação e carga viral) e fatores relacionados com o gato (predisposição genética e resposta imune). Portanto, até recentemente, não era considerada a transmissão horizontal do vírus da PIF entre gatos; contudo, por meio de técnicas de sequenciamento molecular, foram descritos surtos isolados de infecções idênticas pelo vírus da PIF em grupos de gatos 10.  Em termos gerais, acredita-se que o vírus da PIF não seja transmissível, embora existam cepas intermediárias do vírus transmissível ou cepas com maior risco de serem transmitidas de um gato para outro, o que pode indicar um risco elevado de desenvolvimento e transmissão do vírus da PIF em uma população. 

A PIF é geralmente considerada uma doença de gatos jovens (< 2 anos de idade). Os filhotes felinos normalmente apresentam uma carga viral maior que os gatos adultos, pois enfrentam eventos mais estressantes (incluindo vacinação, castração e realojamento) e exibem sistemas imunológicos imaturos. Embora uma pequena porcentagem de gatos elimine uma variedade (mutação) de alto risco do vírus (conforme demonstrado em vários estudos de desafio laboratorial), a maioria dos gatos que desenvolvem PIF o fará após a primeira exposição ao FCoV, o que costuma ocorrer quando filhotes 5 8.  Outros fatores de risco incluem raça pura e alojamento em grupos, sobretudo em condições de superlotação ou insalubridade, em que predominam altas cargas virais e agentes fisiológicos indutores de estresse (Figura 2). Por fim, em outros estudos anteriores, foi demonstrado um maior risco de PIF em gatos infectados por FeLV ou FIV, embora esse achado não tenha sido consistente 11 12.
 

Figura 2. O triângulo epidemiológico da PIF; os fatores relacionados com o hospedeiro, bem como com o agente etiológico e o ambiente, contribuem, sem exceção, para o desenvolvimento da doença. © Sandrine Fontègne

Sinais clínicos

Classicamente, foram descritas duas formas de PIF: “úmida/efusiva” e “seca/não efusiva”. Contudo, a PIF se desenvolve naturalmente dentro de um espectro que varia desde uma doença efusiva até uma doença granulomatosa não efusiva; na maioria dos casos, são observadas ambas as características. As dificuldades no diagnóstico da PIF estão relacionadas com a inespecificidade dos sinais clínicos, a falta de alterações patognomônicas em testes hematológicos e bioquímicos, bem como com a baixa sensibilidade dos métodos de diagnóstico antemortem utilizados atualmente. 
 

Elizabeth A. Berliner

A PIF se desenvolve dentro de um espectro que varia desde uma doença efusiva até uma doença granulomatosa não efusiva; na maioria dos casos, são observadas ambas as características

Elizabeth A. Berliner

A febre persistente ou intermitente e a inapetência são os primeiros sinais clínicos mais comumente relatados. Nos filhotes em particular, o início da PIF pode ser confundido com outras doenças infecciosas mais comuns, incluindo panleucopenia e infecções virais do trato respiratório anterior. Se presente, a efusão é uma característica distintiva e um elemento-chave para o diagnóstico. Os gatos com a doença efusiva geralmente apresentam distensão abdominal, dispneia, icterícia e mucosas pálidas. Muitas manifestações clínicas não efusivas englobam lesões oculares (uveíte, irite, precipitados ceráticos) e alterações neurológicas, o que pode aumentar o índice de suspeita da PIF. Os principais diagnósticos diferenciais da PIF efusiva incluem doença neoplásica (particularmente linfoma), insuficiência cardíaca e outras causas de pleurite e peritonite. A forma menos efusiva da PIF pode mimetizar toxoplasmose, FeLV, FIV e câncer (linfoma, adenocarcinoma e outros).

Os sinais clínicos são consequência direta da ligação de imunocomplexos (complexos antígeno-anticorpo) aos vasos sanguíneos. Isso resulta na vasculite fibrinosa e/ou granulomatosa típica observada em amostras de tecido coletadas por cirurgia ou necropsia. O fluxo de líquido dos vasos afetados para as cavidades culmina em efusão pleural, pericárdica e/ou abdominal (Figura 3). Em órgãos maciços, as lesões são principalmente granulomas multifocais a coalescentes que costumam acompanhar o trajeto dos vasos sanguíneos (Figura 4 e 5).

 

Figura 3. Efusão de PIF. (a) A efusão clássica da PIF é de cor amarelo-palha e muito viscosa, com alta contagem proteica e baixa celularidade; nesta amostra, também são visíveis aglomerados (“grumos”) de fibrina. (b) Efusão de PIF in situ. Efusão pleural ao redor dos lobos pulmonares afetados pela PIF. No pulmão e no revestimento pleural da cavidade torácica, podem ser observadas placas granulomatosas multifocais a coalescentes de cor branca a amarela.
Figura 4. Cavidade peritoneal de gato com PIF, exibindo o padrão clássico de granulomas multifocais difusos nas superfícies serosas de órgãos como intestino delgado, fígado e peritônio. Também se observa uma efusão peritoneal.
Figura 5. Rins de gato acometido pela PIF. (a) Granulomas multifocais a coalescentes concentrados em torno dos vasos sanguíneos são visíveis mesmo através da cápsula. (b) Ao abrir a cápsula, as lesões podem ser observadas com mais detalhes. © Gerald Duhamel, Cornell University

A PIF é uma doença progressiva. Os sinais clínicos mudam com o passar do tempo; por essa razão, exames seriados, sucessivos e pouco espaçados (incluindo exame oftalmológico e neurológico) podem ajudar a confirmar uma suspeita clínica inicial (Figura 6)

Figura 6. Muitos gatos com PIF desenvolvem sinais oculares (p. ex., uveíte, irite, precipitados ceráticos); por essa razão, o clínico deve realizar um exame oftalmológico completo como parte do exame clínico.

Testes diagnósticos

Até o momento, o diagnóstico mais definitivo da PIF é feito através da identificação do FCoV ou do vírus da PIF em macrófagos teciduais por imuno-histoquímica e/ou PCR-RT (reação em cadeia da polimerase – transcriptase reversa). Contudo, isso requer a coleta de amostras de biopsia cirúrgica ou necropsia, o que constitui um método invasivo de diagnóstico antemortem. O diagnóstico antemortem é frequentemente presuntivo, formulado com base na consideração criteriosa do histórico clínico e dos achados do exame físico, juntamente com os resultados dos testes hematológicos e bioquímicos, além da análise da efusão (quando presente) (Quadro 1).

Histórico clínico: gato com menos de 2 anos de idade, alojado em grupos (instalações de resgate, abrigos, gatis), evento estressante (castração, realojamento), raça pura

↓↓↓
Exame físico: pirexia (persistente ou intermitente), anorexia, perda de peso, letargia/apatia
↓↓↓
Com efusão
• cor amarelo-palha, viscosa, não purulenta
• proporção de albumina:globulina abaixo de 0,8
• concentração de proteínas totais acima de 3,5 mg/dL
• baixa contagem leucocitária (principalmente neutrófilos e macrófagos)
Sem efusão
• requer mais investigação
• sinais intraoculares (uveíte, irite, retinite)
• sinais neurológicos (ataxia, nistagmo)
• linfonodos mesentéricos infartados
• massas abdominais
Provável PIF Hematologia: anemia arregenerativa, linfopenia
Bioquímica:
hiperglobulinemia, baixa proporção de albumina:globulina, hiperbilirrubinemia
Confirmação: PCR-RT para detecção de mutações específicas do vírus da PIF
Limitação:
resultados falso-negativos se o nível antigênico estiver baixo
Forte suspeita clínica de PIF
Confirmação: provas específicas em tecidos coletados por biopsia
Limitação:
método invasivo e caro

PIF = peritonite infecciosa felina; PCR-RT: reação da transcriptase reversa, seguida de reação em cadeia da polimerase.

Quadro 1. Um algoritmo para o diagnóstico de PIF.

Em casos de PIF, não há alterações patognomônicas nos parâmetros sanguíneos. Entre os achados mais frequentes do hemograma completo se encontra a anemia arregenerativa com linfopenia, mas em geral sem a leucocitose neutrofílica normalmente observada no leucograma de estresse. Na maioria dos gatos, os perfis bioquímicos séricos refletem um aumento na concentração de proteínas totais por hiperglobulinemia  13. A elevação das enzimas hepáticas e da bilirrubina também pode ser constatada como resultado de danos aos órgãos. 

A análise e o teste de efusão representam o melhor método de confirmação antemortem da PIF. A análise da efusão, que pode ser concluída ao lado do paciente, é fortemente sugestiva para o diagnóstico de PIF quando os níveis de proteínas totais excedem 3,5 mg/dL e a contagem de células é mínima. Uma proporção de albumina:globulina abaixo de 0,8 na efusão é altamente indicativa do diagnóstico de PIF. A imunocitoquímica das efusões para a detecção do antígeno do FCoV não é considerada uma modalidade diagnóstica sensível, já que a amostra pode conter poucas células e/ou o antígeno muitas vezes é mascarado quando os anticorpos estão ligados a ele  14.

A técnica de PCR-RT para a detecção do vírus da PIF (e não o FCoV) em efusões é um método laboratorial relativamente específico (95,8%), mas não muito sensível (68,6%). Como tal, trata-se atualmente do melhor método não invasivo para confirmar o diagnóstico de PIF. 
 
Quando positivo, esse teste identifica mutações específicas na proteína de espícula (S) associada ao vírus da PIF. Em gatos com efusões em que a prevalência da PIF é de 50 a 60%, a técnica de PCR-RT para detectar o vírus da PIF tem um valor preditivo positivo em torno de 95%. Não é aconselhável realizar esse teste em amostras como sangue, soro ou fezes, em virtude da ligação de antígeno-anticorpo e da baixa presença de antígenos. Além disso, muitos gatos terão várias cepas de coronavírus simultaneamente, o que pode limitar o valor de interpretação desse teste.

É importante ressaltar que uma sorologia positiva quanto à presença de anticorpos antiFCoV nunca deve ser interpretada como um diagnóstico de PIF. O teste sorológico não é capaz de distinguir entre anticorpos induzidos pelos FCoVs ubíquos (comuns) e FCoVs causadores da PIF (vírus da PIF).

Tratamento

A PIF é considerada uma doença letal, embora haja relatos isolados de uma evolução prolongada da enfermidade e até de recuperação. Trata-se de uma doença de rápida evolução, com tempo médio de sobrevida de 9 dias após o diagnóstico 15. Com base em estudos in vitro ou considerando o seu uso em outras espécies e doenças, muitos agentes antivirais eram sugeridos no passado, tais como: ribavirina, vidarabina, interferon-alfa humano e interferon-ômega felino 13  esses medicamentos, no entanto, não são considerados eficazes para o tratamento da PIF. Os tratamentos paliativos prontamente disponíveis abrangem os agentes imunossupressores, cujo uso pode retardar a evolução dos sinais clínicos; os agentes mais utilizados são a prednisolona ou a dexametasona, mas também se faz uso da ciclofosfamida ou da clorambucila. 13  Imunoestimulantes inespecíficos foram usados com sucesso, mas sem comprovação científica, para prolongar a vida em alguns gatos, embora o número de casos seja pequeno; atualmente, esses agentes não são recomendados para a PIF 16.

Hoje em dia, o tratamento da PIF é uma área de pesquisa muito ativa, e estudos muitos promissores estão em andamento. Inúmeros estudos laboratoriais e ensaios clínicos foram realizados com o imunoestimulante poliprenil, obtendo-se resultados satisfatórios em relação à melhora da doença nos estágios iniciais (precoces) da PIF não efusiva 17; além disso, esse imunoestimulante está disponível no mercado e, em alguns países, seu uso é aprovado para o tratamento de infecções respiratórias anteriores dos gatos. Outra pesquisa promissora envolve um inibidor da protease (GC376), com o qual se alcançou uma regressão temporária bem-sucedida dos sinais clínicos, tanto em estudos laboratoriais como em ensaios clínicos de gatos acometidos 18. Nos Estados Unidos, espera-se que uma formulação comercial de GC376 seja aprovada para lançamento nos próximos anos 19. Em uma investigação recente de inibidores da transcrição do RNA (EVO984/GS441524), foi demonstrada uma redução significativa da replicação viral em estudos in vitro, além da reversão da doença clínica em 10 de cada 10 gatos infectados experimentalmente 20.

 
 

 

Elizabeth A. Berliner

O exame oftalmológico para avaliar a presença de irite, uveíte e lesões da retina é uma ferramenta muito útil para o diagnóstico de PIF em muitos casos.

Elizabeth A. Berliner

Vacinação

Atualmente, existe uma vacina contra PIF disponível no mercado nos Estados Unidos, na Europa e no Canadá. Trata-se de um produto intranasal de vírus vivo-modificado que contém o FCoV mutado. A American Association for Feline Practitioners (AAFP, Associação Norte-americana de Clínicos de Felinos) classifica as vacinas em três categorias gerais: (a) essencial, (b) não essencial e (c) geralmente não recomendada. De acordo com a Comissão Consultiva de Vacinação Felina da AAFP, a vacina atual contra PIF não é recomendada, uma vez que “não há provas suficientes de que ela confere proteção clinicamente relevante” 21.

Implicações para gatos expostos ao vírus da PIF

Conforme mencionado anteriormente, não se acredita que ocorra a transmissão horizontal do vírus da PIF de um gato para outro na maioria das circunstâncias — razão pela qual os surtos de PIF são tão raros. Contudo, quando um gato é exposto a um gato adulto ou filhote com PIF, sempre há uma preocupação quanto ao risco de infecção. Com base na “teoria da mutação interna” discutida previamente, considera-se que o risco de desenvolvimento da PIF em gatos não aparentados expostos a um gato com PIF seja muito baixo. Entretanto, os gatos geneticamente aparentados apresentam um maior risco de desenvolver a doença, dada a provável exposição à mesma cepa de FCoV e a suscetibilidade genética semelhante à mutação; esse risco é multiplicado pela probabilidade de que os gatos aparentados compartilhem o mesmo ambiente e, talvez, até os mesmos fatores indutores de estresse. Portanto, companheiros da mesma ninhada dos filhotes acometidos correm maior risco do desenvolvimento de PIF e devem ser monitorados para detectar possíveis sinais clínicos.

O período de incubação para o desenvolvimento da PIF ou o curso dessa doença pode ser de meses a anos. Os testes diagnósticos disponíveis atualmente não ajudam a predizer o desfecho de gatos que foram expostos ao vírus, mas permanecem sem manifestação clínica; no entanto, o sequenciamento molecular das mutações pontuais do FCoV pode ser a ferramenta que mudará essa situação no futuro.

Implicações para a prevenção de PIF em populações de gatos

O FCoV pode sobreviver por até 7 semanas em ambientes secos, mas é facilmente inativado com detergentes e desinfetantes comuns. Em populações de gatos, as medidas de prevenção e controle da PIF visam minimizar os fatores de risco para o seu desenvolvimento, o que inclui reduzir a exposição ao FCoV ao máximo possível. Os locais de abrigo, criação e resgate devem manter as condições sanitárias ideais de forma rotineira e minuciosa, além de implementar os protocolos de desinfecção apropriados. A higienização das bandejas sanitárias deve envolver a remoção frequente das fezes com pá pelo menos uma vez ao dia e o uso de bandejas descartáveis para gatos filhotes e adultos com diarreia. É essencial evitar a superlotação de gatos, seguindo boas práticas de criação 22  para manter uma densidade populacional adequada e saudável. O ideal é que ninhadas aparentadas de filhotes felinos não sejam misturadas, a fim de evitar as chances de compartilhamento de cepas virais e eventos recombinantes. Contudo, uma incidência de PIF de até 1% é geralmente considerada inevitável em populações de gatos. Uma investigação mais detalhada é justificável em gatis ou abrigos com maior incidência de PIF; isso deve abranger uma avaliação não só das medidas de higiene e desinfecção, mas também das práticas de manejo e criação, incluindo as instalações onde os gatos estão alojados e o controle do estresse.

 
 

Referências

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Elizabeth A. Berliner

Elizabeth A. Berliner

A Dra. Berliner se formou como médica-veterinária na Cornell University em 2003, além de ser diplomada em Shelter Medicine Practice [Medicina de Abrigos] (2016) e Canine and Feline Practice [Clínica de Cães e Gatos] (2012) pelo American Board of Veterinary Practitioners (Conselho Norte-americano de Clínicos Veterinários). Leia mais

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