Como abordar...Sopros cardíacos em filhotes felinos
Número da edição 29.1 Outros conteúdos científicos
Publicado 04/01/2021
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Os gatos filhotes e adultos jovens são frequentemente levados às clínicas veterinárias por conta de “problemas nos olhos”. Neste artigo, Thomas Large e Ben Blacklock fornecem uma visão geral de alguns dos distúrbios oculares mais comuns — e não tão comuns — com os quais podemos nos deparar
Os distúrbios oculares congênitos muitas vezes podem se manifestar sob a forma de múltiplas alterações clínicas; portanto, é necessária a realização de exame oftalmológico completo e detalhado em todos os casos.
O teste de PCR para a detecção de causas infecciosas de distúrbios oculares sempre deve ser interpretado à luz da apresentação clínica (i. e., levando em consideração o quadro clínico do paciente), a fim de evitar a superinterpretação dos resultados,
O diagnóstico de causas infecciosas de conjuntivite pode não ser uma tarefa fácil e, como parte do plano diagnóstico e terapêutico, talvez seja necessário realizar um tratamento para avaliar a resposta ao mesmo.
Tabela 1. Diferentes condições oftalmológicas em filhotes felinos.
Globo ou bulbo ocular |
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Tecidos perioculares |
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Conjuntiva |
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Doença corneana |
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Doença uveal |
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Doença retiniana |
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Entrópio
O entrópio é uma inversão indevida das pálpebras superior (ou, mais comumente, inferior) que pode causar irritação crônica da córnea, resultando em edema, úlcera, pigmentação e vascularização dessa estrutura ocular. A ocorrência de entrópio primário é menos frequente nos gatos que nos cães e uma incidência mais alta foi descrita em raças braquicefálicas como a Persa (3).
Thomas P. Large
O entrópio também pode ocorrer secundariamente a blefarospasmo, caso em que a inversão das pálpebras pode se tornar permanente (3). Em filhotes felinos, portanto, a etiologia do entrópio pode ser considerada primária ou secundária se houver histórico de dor ou inflamação ocular. Na presença de doença corneana secundária, há necessidade de tratamento cirúrgico para o entrópio. Embora os casos brandos (leves) possam não necessitar de correção cirúrgica, seria razoável proceder ao monitoramento regular do paciente para detectar a possível presença de sinais de doença corneana secundária. O procedimento de Hotz-Celsus consiste na técnica cirúrgica preferida (6) e os resultados pós-operatórios podem ser vistos na Figura 3. Em uma revisão recente conduzida a partir da avaliação de 124 gatos submetidos a tratamento cirúrgico para o entrópio, verificou-se que a taxa de êxito desse procedimento, combinado com o fechamento do canto lateral, é de 99,21% (6). No mesmo estudo, constatou-se que, somente com a técnica de Hotz-Celsus, é possível corrigir o entrópio da pálpebra inferior; em gatos mais idosos, no entanto, o fechamento do canto lateral pode ajudar a prevenir recidivas (6).
Prolapso da glândula da membrana nictitante
O prolapso da glândula da membrana nictitante foi relatado em várias raças, incluindo Birmanês, Persa e Doméstico de Pelo Curto. Embora o prolapso não seja uma condição estritamente congênita, a idade de apresentação varia, podendo incluir gatos filhotes e adultos de até 6 anos de idade (3). Em três casos individuais das raças mencionadas anteriormente, foi demonstrado que a reposição da glândula da membrana nictitante pela técnica da bolsa conjuntival de Morgan seja eficaz e sem recidivas (7).
Epífora
Nos gatos de raças braquicefálicas, o ducto nasolacrimal segue um trajeto muito mais tortuoso quando comparados aos de raças meso e dolicocefálicas, o que pode levar à obstrução da drenagem normal das lágrimas (8,9). Essa malformação anatômica pode resultar em epífora persistente; no entanto, antes de assumir alguma causa estrutural, devem ser descartadas outras causas patológicas de epífora, como doenças inflamatórias, infecciosas ou traumáticas. Nos gatos braquicefálicos, pode-se observar a presença de manchas persistentes ocasionadas pelo lacrimejamento excessivo em torno do canto medial do olho; nesse caso, um conselho prático que pode ser dado ao tutor é limpar com frequência o canto medial do olho e as dobras cutâneas do nariz para evitar macerações secundárias da pele periocular.
Conjuntivite infecciosa
A conjuntivite é um distúrbio muito comum em gatos jovens — na verdade, trata-se de uma das apresentações mais frequentes de doenças oftalmológicas — e deve ser abordada de uma maneira lógica, levando em consideração os diagnósticos diferenciais mais habituais. Em muitos casos, podem ser observados os sinais de edema conjuntival (conhecido como quemose), blefarospasmo e secreção ocular mucopurulenta. Embora o tratamento com antimicrobianos tópicos de amplo espectro possa não ser inadequado a princípio, determinadas doenças podem muitas vezes persistir e exigir um tratamento mais específico, conforme descrito adiante.
Em gatos filhotes e adultos jovens, existem várias causas de conjuntivite infecciosa, incluindo infecções por herpes-vírus felino, Chlamydophila felis, calicivírus, Mycoplasma e outras infecções bacterianas.
Herpes-vírus felino tipo 1
O herpes-vírus felino tipo 1 caracteriza-se por episódios recorrentes de rinotraqueíte, conjuntivite, úlcera de córnea e ceratite. Grande parte (taxas de exposição relatadas de até 97%) dos gatos adultos e filhotes será exposta ao herpes-vírus felino em algum momento de suas vidas e infectada por aerossóis ou pelo contato direto com animais infectados (10). O herpes-vírus felino pode se disseminar ao longo das terminações do nervo trigêmeo e ficar alojado no gânglio trigêmeo, resultando em uma infecção latente em mais de 80% dos gatos infectados. Cerca de 50% desses gatos manifestarão “exacerbações” recrudescentes dos sinais clínicos, secundariamente a estresse, doenças concomitantes ou corticoterapia (10). A infecção inicial pode começar a partir de 8 semanas de vida e se manifestar com rinotraqueíte, conjuntivite, ceratite e úlceras puntiformes ou dendríticas (Figura 4) (10,11).
Um sinal peculiar que diferencia a infecção por herpes-vírus felino é o desenvolvimento de úlceras corneanas dendríticas que podem ser vistas como defeitos lineares e ramificados na córnea (12). As úlceras dendríticas geralmente podem ser detectadas com o uso do corante fluoresceína, conforme observado na Figura 5; lesões menores podem ser visualizadas com mais facilidade mediante a coloração da córnea com o Rosa Bengala (corante). Conforme a doença evolui, as úlceras dendríticas podem coalescer, formando áreas maiores de ulceração geográfica da córnea (12). Pode ocorrer o surgimento de simbléfaro (aderência da pálpebra ao globo ocular), uma vez que o tecido conjuntival ou corneano inflamado pode criar aderências locais; tais aderências, por sua vez, devem ser desfeitas com manipulação leve e delicada (sempre que forem observadas) para evitar a formação de aderências permanentes (3). A recrudescência do herpes-vírus felino frequentemente se manifesta com sinais clínicos semelhantes e mais brandos (leves) que os de uma infecção aguda, mas também pode evoluir para uma ceratite crônica do estroma corneano (10).
Para obter o diagnóstico, podem ser considerados testes como PCR e citologia conjuntival/corneana. Contudo, como a maioria dos gatos é exposta ao herpes-vírus felino, podem ocorrer resultados falso-positivos e falso-negativos na técnica de PCR. Por essa razão, é preciso ter cuidado ao se interpretar os resultados, devendo-se levar em conta tanto a apresentação clínica como o histórico do paciente (10).
A citologia da conjuntiva e da córnea pode ajudar a descartar outros distúrbios com apresentação semelhante, como a infecção por Chlamydophila felis. A resposta à terapia também pode ser considerada como uma diretriz para o diagnóstico e tratamento. Muitos casos brandos (leves) de recrudescência do herpes-vírus felino são autolimitantes e, nesses casos, o tratamento pode ser dispensável. Quando necessário, no entanto, recomenda-se a administração sistêmica de fanciclovir a uma dose de 90 mg/kg por via oral 2 vezes ao dia (13). A duração do tratamento pode variar, dependendo da resposta e, em geral, deve prosseguir por um período de tempo além da resolução dos sinais clínicos (13). Preparações antibióticas tópicas também podem ser usadas como tratamento adjuvante para possíveis infecções bacterianas secundárias (14).
Chlamydophila felis
A infecção pela bactéria intracelular Chlamydophila felis pode se manifestar com sinais clínicos de conjuntivite crônica e quemose uni ou bilaterais em gatos jovens (3). É transmitida por aerossóis ou pelo contato com o patógeno no ambiente. O diagnóstico pode ser alcançado com o uso de um kit comercial que utiliza dispositivos médicos especiais de amostragem1 ou mediante a obtenção de amostras conjuntivais através de swabs para subsequente exame citológico que pode revelar a presença de corpúsculos de inclusão nas células epiteliais (14). A técnica de PCR em swabs conjuntivais também pode ser um teste sensível para detectar o microrganismo Chlamydophila felis nos olhos infectados; no entanto, a sensibilidade diminui com a cronicidade e, portanto, pode ser um teste menos confiável para o diagnóstico de casos crônicos (15). Resultados negativos em testes como PCR e citologia não descartam totalmente a presença de Chlamydophila felis; por essa razão, a tomada das decisões terapêuticas pode ser feita apenas sob a suspeita clínica do quadro, com base na apresentação, nos sinais clínicos e no menor índice de suspeita de outras causas de conjuntivite (especialmente se nenhuma úlcera de córnea for observada). O tratamento consiste na administração sistêmica de doxiciclina por via oral a uma dose de 10 mg/kg por dia durante um período de, no mínimo, 28 dias (16). Note que é recomendável administrar a doxiciclina juntamente com alimentos ou pequeno volume de líquido sob a forma de bólus oral para reduzir o risco de estenoses esofágicas. Embora os sinais clínicos geralmente desapareçam após alguns dias, todo o curso do tratamento deve ser concluído.
1 p. ex., *Cytobrush® (Medscand®)
Ben T. Blacklock
Calicivírus
Por vezes, o calicivírus pode causar conjuntivite em gatos, mas está associado principalmente a doenças do trato respiratório anterior e estomatite (17). É transmitido pelo contato com animais infectados e com o ambiente. O diagnóstico pode ser feito com a técnica de PCR em swabs conjuntivais, embora os resultados positivos devam ser interpretados com cautela, pois isso pode acontecer em gatos portadores persistentemente infectados. A conjuntivite associada ao calicivírus tende a se resolver espontaneamente (3).
Oftalmia neonatal
Oftalmia neonatal
A oftalmia neonatal é um termo usado para descrever uma conjuntivite grave no neonato felino. Se as pálpebras permanecerem fundidas 14 dias após o parto, geralmente se desenvolve um edema (inchaço) da órbita, em virtude do acúmulo de secreção mucopurulenta (Figura 6) (3,18). Pode ser necessária a abertura das pálpebras, seja por meio de manobra manual ou com incisão ao longo da margem palpebral para drenar a secreção mucopurulenta e permitir a aplicação de tratamento tópico com antibióticos.
Dermoides
Os dermoides da córnea correspondem a uma anomalia congênita rara observada em filhotes felinos. Essa anomalia foi descrita nas raças Doméstico de Pelo Curto, Sagrado da Birmânia ou Birmano e Birmanês (19). Esses dermoides são caracterizados como massas de tecido cutâneo localizadas anormalmente na superfície ocular ou em estruturas estreitamente associadas. Sua ocorrência já foi relatada em vários locais, incluindo a região epibulbar, a córnea temporal lateral e a córnea dorsal (19-21). O exame histológico de dermoides oculares revelou que sua estrutura é semelhante à da pele, com uma camada epidérmica, outra camada subcuticular e uma camada dérmica, incluindo glândulas sebáceas e folículos pilosos. Os sinais clínicos associados aos dermoides podem incluir epífora, blefarospasmo, conjuntivite e blefarite por irritação das estruturas oculares envolvidas em contato com os cílios (Figura 7) (18).
Para remover o dermoide da córnea, há necessidade de tratamento cirúrgico. A técnica usada para extrair o tecido anormal do tecido normal subjacente é a ceratectomia superficial. O prognóstico após a cirurgia é bom, desde que todo tecido anormal seja removido.
As membranas pupilares persistentes são um resquício embrionário da túnica vascular do cristalino (o aporte sanguíneo embrionário para o cristalino em desenvolvimento). No gato, as membranas pupilares persistentes podem ser uni ou bilaterais e sua aparência é semelhante a filamentos finos e pigmentados que se originam a partir do colarete da íris (a região intermediária da íris) e podem se aderir a outras estruturas oculares (como endotélio da córnea, cristalino e íris) ou, então, flutuar livremente na câmara anterior do olho (Figura 8) (22,23). Em alguns casos em que a membrana pupilar persistente se adere ao endotélio corneano, podem surgir opacidades na córnea, secundariamente à persistência da membrana pupilar, causando tração do endotélio, o que resulta no aparecimento de edema focal da córnea (19). O diagnóstico das membranas pupilares persistentes baseia-se no exame físico e na diferenciação entre membrana pupilar persistente verdadeira e sinéquia secundária a outras doenças oculares. O local de origem dos filamentos pigmentados no colarete da íris e a ausência de outras anomalias oculares sugestivas de doença ocular prévia são indicativos de membrana pupilar persistente verdadeira. Embora o tratamento normalmente não seja necessário, as opções terapêuticas (se requeridas) incluem midriáticos tópicos e transecção cirúrgica (3).
Cistos uveais
Os cistos da úvea anterior são um achado incomum em gatos e podem ser o resultado de um defeito congênito em que não ocorre a adesão correta das camadas do cálice óptico. Esses cistos também podem ocorrer de forma espontânea ou secundariamente a lesões oculares (24,25). Os cistos uveais podem ser observados em um ou ambos os olhos; eles costumam ser esféricos e pigmentados, podendo se apresentar como cistos únicos ou múltiplos de vários tamanhos em qualquer local ao longo da margem pupilar posterior (24). A maioria dos cistos uveais anteriores geralmente não requer tratamento, mas a cirurgia com fotocoagulação a laser pode ser considerada se eles forem grandes e provocarem problemas secundários (como obstrução da visão ou aumento da pressão intraocular) (26).
Há relatos de cataratas de desenvolvimento em filhotes felinos criados manualmente com uma fórmula láctea comercial (sucedâneo do leite); possivelmente, tais cataratas incipientes estavam relacionadas com as baixas concentrações séricas de arginina durante esse período de alimentação (28). Assim, fatores ambientais também podem desempenhar um papel importante no surgimento de catarata desde tenra idade.
A síndrome de Chediak-Higashi é um distúrbio autossômico recessivo hereditário que pode se apresentar com cataratas congênitas, bem como com íris pálidas, fotofobia, hipopigmentação do fundo ocular e degeneração do tapete (29).
No gato, o tratamento de cataratas depende da gravidade do quadro. Se a catarata gerar uma doença secundária, pode-se considerar a facoemulsificação (3).
Thomas P. Large
Thomas Large graduated from the University of Nottingham School of Veterinary Medicine and Science in 2015 and has been a practicing small animal veterinary Leia mais
Ben T. Blacklock
Ben Blacklock se formou na University of Bristol em 2009 e passou seus primeiros anos em uma clínica mista e movimentada em Lancashire. Leia mais