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Veterinary Focus

Oncologia

Citologia de tumores de células redondas em cães

Publicado 04/11/2024

Escrito por Candice P. Chu

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español e English

É essencial compreender as características citológicas dos tumores de células redondas em cães, para que o médico-veterinário não só forneça um diagnóstico e prognóstico precisos, mas também elabore uma estratégia terapêutica eficaz.

Características celulares

Pontos-chave

Os tumores de células redondas em cães incluem vários tipos de neoplasias com características citológicas e prognósticos diferentes.


O linfoma canino possui diversas formas de apresentação, e o tempo de sobrevida e a resposta ao tratamento variam significativamente, dependendo do tipo de linfoma.


Os mastocitomas são os tumores de pele mais comuns em cães, e o prognóstico e o tratamento dependem do grau e da localização do tumor.


Existem outros tumores com características citológicas semelhantes às dos tumores de células redondas. Em caso de dúvida, as amostras devem ser enviadas a um patologista clínico.


Introdução

Os tumores de células redondas são comuns nos animais, especialmente em cães, e a categoria inclui o tumor venéreo transmissível (TVT), o linfoma, o mastocitoma, o plasmocitoma, e o histiocitoma. Ao exame microscópico, esses tumores são caracterizados pela aparência arredondada das células, embora cada tipo de tumor tenha características citológicas e clínicas distintas. Este artigo oferece um guia básico para o clínico geral sobre o que investigar inicialmente na citologia e quais características podem levar a um diagnóstico incorreto.

Tumor venéreo transmissível (TVT)

O TVT é um tipo único de tumor canino transmitido por contato direto, em geral durante o acasalamento. Esse tipo de tumor costuma afetar principalmente a genitália externa, mas também pode aparecer em localizações extragenitais. As células do TVT se distinguem pelos seus vacúolos citoplasmáticos claros e arredondados, frequentemente descritos como um “colar de pérolas” (Figura 1).

Características celulares do tumor venéreo transmissível (TVT).

Figura 1. Tumor venéreo transmissível (TVT). As células geralmente contêm um número pequeno a moderado de vacúolos arredondados, semelhantes a um colar de pérolas (aumento de 40×).
© Dr. Shih-Ming Liu, Taiwan.

Linfoma

O linfoma é comum em cães e, embora o diagnóstico presuntivo possa ser obtido no exame clínico (Figura 2), é aconselhável fazer a identificação definitiva para ajudar na orientação do tutor sobre o tratamento e o prognóstico. Em laudos de citologia, o linfoma é frequentemente descrito como “linfoma de células intermediárias”, “linfoma de células intermediárias a grandes” ou “linfoma de células grandes”. Esses termos podem levar ao conceito equivocado de que o “linfoma de células grandes” seja um tipo distinto de doença, mas na realidade existem mais de 30 tipos de linfoma, com base na classificação da OMS 1. Muitos deles poderiam ser diagnosticados como “linfoma de células grandes”, mas a apresentação e o imunofenótipo exato podem variar amplamente, desde formas indolentes a agressivas; portanto, o prognóstico também varia de acordo. Este artigo se concentra no pequeno grupo de linfomas com características citológicas distintas que podem ser reconhecidas sem a necessidade da realização de exames complementares, pois a compreensão dessas características pode fornecer uma ideia geral e aproximada de um possível diagnóstico e prognóstico; entretanto, a classificação completa e o diagnóstico definitivo do linfoma canino só podem ser obtidos mediante a combinação dos exames de citologia, histopatologia, imuno-histoquímica, e testes moleculares avançados (por exemplo, citometria de fluxo).

A linfadenopatia é frequentemente detectada na palpação durante o exame físico.

Figura 2. O diagnóstico clínico do linfoma geralmente se baseia no exame físico, já que em muitos casos os linfonodos periféricos aparecem acentuadamente infartados à palpação. No entanto, é necessário realizar uma avaliação citológica para determinar o tipo de linfoma.
© Shutterstock

  • Linfoma de células grandes ou intermediárias a grandes: esse tipo de linfoma é composto principalmente por linfócitos de tamanho intermediário a grande (mais de 2 a 3 vezes o tamanho das hemácias). Trata-se do linfoma mais comum em laudos citológicos. Linfócitos neoplásicos grandes típicos apresentam um aumento da relação de núcleo/citoplasma (relação N:C) e uma quantidade pequena a escassa de citoplasma basofílico (Figura 3). Dependendo da apresentação clínica e do imunofenótipo, um linfoma pode ser “difuso de células B grandes (DLBCL, sigla em inglês)” ou “periférico de células T sem outra especificação (PTCL-NOS, sigla em inglês)”.
  • Linfoma difuso de células B grandes: O DLBCL é o linfoma canino mais comum e geralmente afeta cães de meia-idade a idosos, com uma idade mediana de início em torno de 7 a 9 anos. Algumas raças, como Golden Retriever, Labrador Retriever, Boiadeiro Bernês e Pastor Alemão, apresentam maior risco de desenvolver esse linfoma. Os cães com linfoma costumam apresentar linfadenopatia generalizada. A sobrevida média é por volta de 300-500 dias 2.
  • Linfoma periférico de células T: O PTCL-NOS é responsável por cerca de 15% de todos os casos de linfoma canino. Esse tipo de linfoma geralmente ocorre em cães da raça Boxer de meia-idade e é um pouco mais comum em machos. Normalmente, a doença afeta os linfonodos mediastinais e pode estar associado à hipercalcemia. Infelizmente, o PTCL-NOS apresenta um prognóstico mau, com sobrevida média de apenas 158 dias 2

Características celulares do linfoma de grandes células.

Figura 3. Linfoma de células grandes, diagnosticado a partir de massa gastrointestinal. Os linfócitos neoplásicos são maiores que os neutrófilos, com alta relação N:C e citoplasma basofílico escasso (aumento de 40×).
© Dr. Chih-Chien Tsai, Taiwan.

Dada a semelhança citológica e os diferentes prognósticos entre DLBCL e PTCL-NOS, é altamente recomendável realizar a citometria de fluxo ou a avaliação histopatológica com imuno-histoquímica para confirmar o diagnóstico.

  • Linfoma da zona T (TZL): Trata-se de um linfoma de células pequenas a intermediárias, com melhor prognóstico que outros tipos. Ao exame citológico, os linfócitos apresentam um aspecto de “espelho de mão” ou “girino” (Figura 4). Para o diagnóstico definitivo, no entanto, é necessária a citometria de fluxo, pois os linfócitos do TZL costumam ser positivos para os marcadores CD3, CD5, CD21 e MHC II 3. É comum que esse tipo de linfoma se espalhe para o sangue, dando origem à linfocitose. As raças afetadas com maior frequência são Golden Retriever, Maltês e Shih Tzu. A natureza indolente (i. e., não agressiva) do TZL se reflete em um maior tempo de sobrevida, o que pode ser de até 637-760 dias 3.
  • Linfoma de linfócitos granulares grandes (LGL): esse linfoma é caracterizado por células T citotóxicas ou células natural killer (NK), que geralmente contêm grânulos citoplasmáticos de cor rosa a magenta com enzimas como perforinas e granzimas. Em cães, esse tipo de linfoma é encontrado principalmente no fígado e no baço, mas também pode afetar o trato gastrointestinal ou se espalhar para outros órgãos. O diagnóstico é tipicamente confirmado pela citologia, pois os grânulos citoplasmáticos não são bem visualizados na histopatologia, o que indica um linfoma de baixo grau. Dada a sua natureza agressiva, a sobrevida é de apenas 28 dias, embora cerca de 75% dos cães possam responder bem à quimioterapia a princípio. Na citologia, o tamanho intermediário dos linfócitos (comparado ao tamanho grande) é considerado um fator prognóstico positivo, o que leva a uma sobrevida média superior a 100 dias em alguns pacientes 4.
  • Linfoma de zona marginal (MZL): o MZL pode ser mais bem diagnosticado por meio de estudo histopatológico, mas o achado citológico de um único nucléolo proeminente pode ser indicativo desse linfoma. O prognóstico é variável, dependendo do órgão afetado. Quando afeta o baço, o prognóstico a longo prazo pode ser bom mediante o procedimento de esplenectomia, enquanto o envolvimento dos linfonodos pode ser tão agressivo quanto o do DLBCL 2.
Características celulares do linfoma da zona T

Figura 4. Linfoma de zona T. Os linfócitos neoplásicos são de tamanho pequeno a intermediário. Com frequência, esses linfócitos possuem uma cauda citoplasmática que confere a aparência de espelho de mão ou de girino (aumento de 40×).
© Dr. Chih-Chien Tsai, Taiwan.

Mastocitomas

Trata-se dos tumores de pele mais comuns em cães, representando 16,8% de todas as neoplasias cutâneas 5. A idade média de aparecimento é de cerca de 9 anos. Embora os mastocitomas possam acometer qualquer raça, observa-se maior predisposição em algumas delas, como: Boxer, Pug, Labrador Retriever, Golden Retriever, e Weimaraner. Esses tumores são frequentemente solitários, mas podem ser múltiplos e localizados no tronco (50%) e nos membros (40%), bem como na cabeça e no pescoço (10%). Do ponto de vista clínico, os mastocitomas podem se manifestar como massas ou placas eritematosas alopécicas a nódulos elevados (Figura 5) 5.

Os tumores de mastócitos têm várias apresentações

Figura 5. Os mastocitomas podem ter uma aparência muito variável, desde nódulos elevados relativamente inofensivos até massas displásicas ulceradas.
© Shutterstock

Características citológicas

Ao exame citológico, os mastocitomas são caracterizados pela presença de núcleos redondos de localização central com grânulos intracelulares de cor púrpura que variam em termos de tamanho e número. Cabe ressaltar que os grânulos podem não ser visíveis com o corante aquoso de Romanowsky (por exemplo, coloração Diff-QuikTM) (Figura 6). Outros componentes geralmente associados aos mastocitomas são fibras colágenas, eosinófilos e fibroblastos.

Diferentes técnicas de coloração mostram características distintas do tumor de mastócitos sob microscópio: coloração Diff-Quik

a

Diferentes técnicas de coloração mostram características distintas do tumor de mastócitos sob microscópio: coloração de Giemsa

b

Figura 6. Diferentes graus de visibilidade dos grânulos de mastocitoma com a coloração Diff-QuikTM (a) e a coloração de Giemsa (b). A ausência de grânulos visíveis pode fazer com que os médicos-veterinários ou até mesmo citologistas inexperientes não consigam diagnosticar corretamente um mastocitoma (aumento de 50×)
© Dr. Candice Chu. 

Determinação do grau citológico

A determinação do grau tumoral baseia-se na normalidade ou anormalidade celular ao exame microscópico, o que é essencial no diagnóstico de mastocitoma. De modo geral, quanto maior a anormalidade, mais agressivo será o tumor e maior a probabilidade de o tumor crescer e se espalhar. A determinação do grau citológico do mastocitoma cutâneo canino envolve a avaliação de determinadas características morfológicas das células neoplásicas, incluindo cariomegalia, multinucleação, pleomorfismo nuclear, e figuras mitóticas. Em um estudo recente, foi descrito o uso da identificação citológica da granulação, juntamente com uma série de critérios para determinar o grau do mastocitoma 6. Basicamente, uma menor quantidade de granulação indica que o mastocitoma é de alto grau, mas, se as células forem bem granuladas, pelo menos dois dos critérios a seguir deverão ser atendidos para que o mastocitoma seja considerado de alto grau (Quadro 1):

  • Presença de figuras mitóticas
  • Pleomorfismo nuclear (variação no tamanho e formato do núcleo)
  • Células bi ou multinucleadas
  • Anisocariose, com variação significativa no tamanho nuclear (> 50%).
Características celulares do tumor de células plasmáticas

Figura 7. Células de plasmocitoma. Observe a cromatina aglomerada, a área perinuclear do aparelho de Golgi e o citoplasma rosado (objetiva de 40×).
© Dr. Szu-Wei Lin, Taiwan.

Em um estudo recente, foi sugerido um novo processo para a determinação do grau citológico 7. Nesse estudo, a avaliação de amostras com a coloração de Romanowsky podia permitir a inclusão de mais fatores para a determinação do grau, como a presença de fibroblastos e fibrilas de colágeno. Uma concentração moderada a intensa desses elementos sugere uma natureza mais benigna, com maior sobrevida e menor grau histopatológico.

Candice P. Chu

A determinação do grau tumoral se baseia na aparência microscópica normal ou anormal das células tumorais, e a avaliação citológica é crucial para o diagnóstico de mastocitoma. Em geral, quanto mais anormais as células, mais agressivo será o tumor e maior a probabilidade de crescer e se espalhar com rapidez

Candice P. Chu

Plasmocitoma

Os tumores plasmocitários em cães são considerados neoplasias benignas que podem apresentar um aspecto “feio” na citologia. Esses tumores costumam afetar cães de meia-idade a idosos e geralmente se localizam nos membros e nas regiões da cabeça como o lábio e as margens auriculares. Ao exame citológico, as células podem apresentar um halo perinuclear característico correspondente ao aparelho de Golgi e podem ser bi ou multinucleadas. Os núcleos geralmente têm cromatina aglomerada, muitas vezes descrita com uma aparência de “mostrador de relógio” ou de “bola de futebol”. Ocasionalmente, os plasmócitos podem apresentar uma tonalidade rosada na margem externa do citoplasma, conhecida como “células flamejantes” ou “células em chama” (Figura 7).

(a)	Imagem macroscópica e morfologia citológica do histiocitoma (característica em forma de cúpula).

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(b)	Imagem macroscópica e morfologia citológica do histiocitoma (aparência de ovo frito).

b

Figura 8. Histiocitoma no nariz de cão Shiba Inu de 4 anos. A imagem macroscópica (a) mostra o formato de cúpula característico do histiocitoma. Ao exame citológico (b), observa-se o formato de ovo frito. Note a leve infiltração linfocítica, indicativa de processo de regressão (aumento de 40×).
© Dr. Yuan-Ru Lai, Taiwan.

Histiocitoma

Os histiocitomas são tumores benignos da pele que geralmente afetam cães jovens com menos de dois anos de idade. Aparecem como massas solitárias, firmes e em forma de cúpula, localizadas principalmente na cabeça e nos membros, e muitas vezes ulceradas. Ao exame microscópico, esses tumores apresentam um aspecto de “ovo frito”, com citoplasma azul claro a incolor e poucas figuras mitóticas (Figura 8). Os histiocitomas costumam sofrer remissão espontânea sem tratamento.

Classificação do grau de mastocitoma, de acordo com a granularidade celular e outros critérios

Quadro 1. Classificação do grau de mastocitoma, de acordo com a granularidade celular e outros critérios (de 6).

Considerações finais

Os tumores de células redondas em cães compreendem vários tipos de neoplasias relativamente comuns em clínicas veterinárias. Cada tipo de tumor possui características únicas, exigindo uma abordagem diagnóstica e terapêutica específica. É essencial conhecer as características citológicas desses tumores para a elaboração do diagnóstico e o estabelecimento do prognóstico com precisão, bem como para a adoção de uma estratégia terapêutica eficaz no paciente canino.

Referências

  1. Valli VE, San Myint M, Barthel A, et al. Classification of canine malignant lymphomas according to the World Health Organization criteria. Vet. Pathol. 2011;48:198-211.

  2. Avery AC. The genetic and molecular basis for canine models of human leukemia and lymphoma. Front. Oncol. 2020;10:23.

  3. Seelig DM, Avery P, Webb T, et al. Canine T-zone lymphoma: unique immunophenotypic features, outcome, and population characteristics. J. Vet. Intern. Med. 2014;28:878-886.

  4. Yale AD, Crawford AL, Gramer I, et al. Large granular lymphocyte lymphoma in 65 dogs (2005-2023). Vet. Comp. Oncol. 2023 (pub on line https://doi.org/10.1111/vco.12959)

  5. London CA, Thamm DH. Mast cell tumor. In: Vali DM, Thamm DH, Liptak JM (eds.) Withrow and MacEwen’s Small Animal Clinical Oncology E-Book; Elsevier Health Sciences; 2019;335-355.

  6. Camus M, Priest H, Koehler J, et al. Cytologic criteria for mast cell tumor grading in dogs with evaluation of clinical outcome. Vet. Pathol. 2016;53:1117-1123.

  7. Paes PR, Horta RS, Luza LC, et al. Inclusion of fibroblasts and collagen fibrils in the cytologic grading of canine cutaneous mast cell tumors. Vet. Clin. Pathol. 2022;51:339-348.

Candice P. Chu

Candice P. Chu

A Dra. Chu é diplomada em Patologia Clínica Veterinária e Professora Adjunta Titular na Universidade A&M do Texas Leia mais