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Veterinary Focus

Número da edição 31.3 Nutrição

Cálcio e fósforo – obtendo o equilíbrio adequado

Publicado 09/01/2023

Escrito por Linda Böswald e Britta Dobenecker

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Română , Español , English e ภาษาไทย

É fundamental garantir que um filhote não receba nem o excesso nem a falta de certos nutrientes e minerais durante a fase de crescimento, mas, conforme descrito neste artigo, isso é muito mais complexo do que parece à primeira vista.

Para facilitar o adestramento de Max, o tutor deve recompensá-lo com os croquetes retirados de sua porção diária recomendada.

Pontos-chave

Um suprimento (aporte) adequado de cálcio e fósforo (em termos absolutos e relativos [ou seja, um em relação ao outro]) é crucial para garantir o desenvolvimento esquelético saudável do cão.


O registro do peso corporal com regularidade é o padrão-ouro para monitorar o fornecimento ideal de energia em filhotes, utilizando as curvas de crescimento recomendadas como referência, uma vez que o sistema de escore de condição corporal ainda não foi validado nesse grupo etário.


As necessidades de cálcio e fósforo para cães em crescimento dependem do peso corporal maduro esperado e da idade do filhote.


Embora a ingestão excessiva de proteínas em filhotes não cause problemas, o fornecimento de energia deve ser restrito para garantir taxas de crescimento ideais e ajudar a evitar doenças ortopédicas de desenvolvimento.


Introdução

Doenças ortopédicas do desenvolvimento, como osteocondrose, displasia articular, osteodistrofia ou deformidades ósseas, são frequentemente observadas em cães, e o risco é maior em raças grandes e gigantes de rápido crescimento. A fase de maturação é um estágio de vida importante para todas as espécies, mas é de vital importância em animais jovens de crescimento rápido, cuja vulnerabilidade esquelética é significativa durante esse período, e os cães se enquadram nessa categoria. Oferecer uma dieta balanceada que forneça a quantidade certa de energia e nutrientes é a base para um sistema musculoesquelético saudável, pois as deficiências podem exacerbar algumas condições não relacionadas primariamente com a nutrição. Os sinais de doenças ortopédicas do desenvolvimento podem variar desde claudicação leve e transitória até distúrbios graves do movimento e também podem envolver desvio doloroso de um ou mais membros e tumefação (inchaço) das articulações. A desnutrição nos primeiros meses de vida pode afetar a saúde do animal por toda a vida.

Quanto é muito?

Um dos principais problemas ao alimentar um filhote em crescimento é determinar a quantidade ideal de energia de que ele necessita. A ingestão calórica excessiva leva ao excesso de peso no filhote (ou seja, uma taxa de crescimento mais rápida do que a recomendada), o que impõe uma carga adicional sobre o esqueleto em crescimento 1. Mesmo em algumas afecções ortopédicas de base hereditária, como a displasia coxofemoral (Figura 1), a restrição energética na fase de filhote em crescimento pode reduzir a prevalência dessas condições 2. Atualmente, sabe-se que o filhote cujo crescimento é acelerado pelo consumo excessivo de calorias (energia) tem um risco muito maior de ficar acima do peso ou obeso na idade adulta 3. Diversos fatores, como raça, nível de atividade, alojamento e estado de saúde, influenciarão as necessidades energéticas diárias; portanto, o nível calórico necessário e correto pode variar consideravelmente entre os indivíduos. Em cães adultos, o método recomendado para monitorar se o fornecimento de energia está excessivo ou deficiente é usar o escore de condição corporal, pois um alto valor desse escore e o excesso de gordura corporal em um cão adulto indicam uma ingestão calórica muito elevada. Isso não pode ser extrapolado para a fase de filhote, pois um alimento com alto teor calórico pode levar ao aumento da taxa de crescimento, e o filhote pode estar acima do peso sem ter depósitos adicionais de gordura. Na verdade, esses filhotes podem até parecer magros e desnutridos, mas ainda assim estar acima do peso. Os filhotes da mesma ninhada na Figura 2 demonstram o grande impacto do aporte energético na fase de crescimento: ambos os cães têm o mesmo escore de condição corporal, mas o filhote da esquerda, que recebeu uma ingestão calórica mais elevada a partir de 8 semanas de vida, é claramente maior, apesar da aparência magra.

Radiografia mostrando displasia coxofemoral bilateral grave em um cão Hovawart de 14 meses de idade.

Figura 1. Radiografia mostrando displasia coxofemoral bilateral grave em um cão Hovawart de 14 meses de idade. Embora muitos problemas ortopédicos em cães jovens tenham uma base hereditária, foi demonstrado que o ato de restringir a ingestão calórica na fase de filhote reduz a incidência de tais condições.

Créditos: Shutterstock

O aumento da taxa de crescimento, com o consequente peso extra, impõe um estresse adicional sobre o esqueleto em desenvolvimento; portanto, o padrão-ouro para determinar a taxa de crescimento ideal é monitorar o peso corporal do filhote, pesando-o regularmente (por exemplo, uma vez por semana) e comparando-o com um gráfico de crescimento 4As curvas ideais de crescimento variam de acordo com o peso ideal estimado para o cão adulto; dessa forma, é essencial estimar isso com a maior precisão possível. É importante ter em mente que as quantidades diárias recomendadas contidas nas embalagens dos alimentos para pets podem ser bastante altas; além disso, o cálculo das necessidades energéticas, utilizando a fórmula do Conselho Nacional de Pesquisa dos EUA (NRC, sigla em inglês) do ano de 2006 5tende a superestimar essas necessidades. Estudos recentes demonstraram necessidades energéticas significativamente mais baixas em cães em crescimento que vivem em colônias ou filhotes que moram em ambientes domésticos 4,6, e as últimas recomendações da FEDIAF levam isso em consideração1. As necessidades energéticas diárias médias (energia metabolizável, EM) para cães em crescimento podem ser estimadas com a fórmula a seguir 4:

Ingestão de Energia Metabolizável [MJ] = (1,063-0,565 x [Peso corporal atual/Peso corporal esperado quando adulto]) x Peso corporal atual0,75

* https://europeanpetfood.org/pet-food-facts/fact-sheets/nutrition/nutritional-needs-of-cats-and-dogs/

Foto de dois filhotes, mestiços de Foxhound, da mesma ninhada, em crescimento

Figura 2. Foto de dois filhotes, mestiços de Foxhound, da mesma ninhada, em crescimento; o cão macho (à direita) foi submetido a um alimento com ingestão energética (calórica) adequada para permitir o crescimento, de acordo com a curva de crescimento recomendada, enquanto a fêmea (à esquerda) recebeu uma dieta com níveis de energia em excesso. Em ambos os casos, o escore de condição corporal era igual a 5 em uma escala de 9 pontos.

Céditos: B. Dobenecker

Cálcio e fósforo da dieta

Os dois principais constituintes do osso, cálcio e fósforo, têm uma relação funcional e regulatória entre si e, por isso, devem ser considerados em conjunto. As necessidades absolutas de ambos os minerais, bem como sua proporção (a faixa recomendada está entre 1:1 e 2:1), devem ser cuidadosamente calculadas, pois tanto o excesso como a deficiência de um ou ambos os minerais durante a fase de desenvolvimento podem ser fatores de risco relevantes em casos de doenças ortopédicas do desenvolvimento induzidas por nutrição. Em avaliações retrospectivas pelas autoras de casos atendidos na Universidade Ludwig-Maximilian, descobriu-se que, na maioria dos cães em crescimento com sinais de doenças ortopédicas do desenvolvimento, a ingestão de cálcio e/ou fósforo foi excessiva ou deficiente, embora curiosamente sua distribuição tenha mudado ao longo dos anos. A primeira pesquisa, realizada em 1998, revelou uma ingestão exagerada de cálcio em 61% dos filhotes afetados e uma ingestão insuficiente em apenas 20% 1. Em uma segunda pesquisa em 2018, observou-se que a maioria dos pacientes com doenças ortopédicas do desenvolvimento (58%) recebeu uma quantidade insuficiente de cálcio e somente 21% dos casos receberam quantidades excessivas desse mineral antes do diagnóstico 7.

Pode-se questionar por que a nutrição deficiente ou inadequada é tão problemática nos cães em crescimento e não tanto em seres humanos. Uma das explicações é que, ao contrário dos humanos, a maturação esquelética ocorre muito mais cedo nos cães, e quase toda a fase de crescimento acontece em um único ano. Por esse motivo, a ingestão nutricional inadequada, mesmo durante um período de tempo limitado, acarreta um risco desproporcionalmente maior para filhotes do que para crianças e adolescentes. Mas, além disso, outra diferença entre os cães e outras espécies, como os humanos, deve ser levada em consideração: os mecanismos adaptativos para compensar o aporte insuficiente ou excessivo de cálcio e fósforo são praticamente inexistentes na espécie canina 8. No cão, a principal via de regulação do cálcio e do fósforo se dá através do armazenamento e da mobilização desses minerais a partir do sistema esquelético, conforme a necessidade, e não pela absorção intestinal de ambos os elementos 9,10Isso faz todo sentido do ponto de vista evolutivo do cão como predador: nem sempre ele tinha presas disponíveis que lhe forneciam muita energia e minerais; então, quando suas fontes de ambos os elementos eram escassas, a suprarregulação (i. e., regulação positiva) desses minerais pelo aumento da absorção intestinal dependente de energia não era possível. A regulação óssea é um dos fatores envolvidos no desenvolvimento de sinais clínicos relacionados com a desnutrição de cálcio e fósforo em filhotes e cães adultos.

Britta Dobenecker

Diversos fatores, como raça, nível de atividade, alojamento e estado de saúde, influenciam as necessidades energéticas diárias; portanto, o nível correto de calorias necessárias pode variar consideravelmente entre os indivíduos.

Britta Dobenecker

A ingestão deficiente de cálcio durante a fase de crescimento pode causar hiperparatireoidismo nutricional secundário, com redução da formação óssea em geral e o consequente aparecimento de vários sinais clínicos, incluindo a ocorrência de fraturas patológicas durante o esforço físico normal 11. Nessa circunstância, é importante notar que, quando a excreção fecal de matéria seca aumenta (devido à baixa digestibilidade da dieta ou ao alto consumo de alimentos), as perdas de cálcio e fósforo pelas fezes também aumentam 12,13,14 e, portanto, as necessidades diárias desses minerais serão maiores. Conforme observado anteriormente, o número de filhotes diagnosticados com doenças ortopédicas do desenvolvimento que são alimentados com uma dieta deficiente em cálcio é considerável e crescente. No entanto, o excesso de cálcio recebe maior atenção na literatura especializada: em várias publicações, há relatos de que as doenças ortopédicas do desenvolvimento podem ser causadas por via experimental em cães em crescimento da raça Dogue Alemão mediante o consumo excessivo de cálcio na dieta 15,16embora na maioria desses estudos o cálcio tenha sido o único mineral que foi aumentado acima da ingestão recomendada, levando à menor utilização de outros minerais essenciais para o desenvolvimento esquelético, como fósforo, zinco e cobre. Portanto, essas doenças ortopédicas do desenvolvimento podem ser causadas, ou pelo menos agravadas, por uma deficiência secundária desses minerais, principalmente o fósforo 17. Isso está de acordo com os resultados de um estudo, em que se analisaram os efeitos da ingestão excessiva de cálcio quando o aporte de fósforo também está em excesso (levando-se em conta a menor digestibilidade desse elemento) em raças de cães de médio e grande porte e não se observaram sinais clínicos de doença ortopédica do desenvolvimento 18. Em contraste, a baixa ingestão de fósforo demonstrou ter importantes efeitos prejudiciais (mas reversíveis) sobre a saúde do esqueleto 19,20 (Figura 3) e, em vários relatos de caso, também foram descritos outros distúrbios do desenvolvimento que podem estar relacionados com a deficiência de fósforo na alimentação 21,22. Também vale ressaltar que, embora muitas vezes haja suspeitas de que a ingestão de proteínas acima da dose diária recomendada possa ser prejudicial ao desenvolvimento do esqueleto, isso, na verdade, é um mito. Estudos demonstraram que o nível de proteínas no alimento fornecido a cães em crescimento não tem nenhum efeito sobre o seu desenvolvimento esquelético 23,24.

Filhote mestiço de Foxhound após receber uma dieta pobre em fósforo por 6 semanas e meia, exibindo membros arqueados e patas abertas.

Figura 3. Filhote mestiço de Foxhound após receber uma dieta pobre em fósforo por 6 semanas e meia, exibindo membros arqueados e patas abertas. Essas anormalidades não causaram dor e se resolveram por completo após algumas semanas com o aporte de níveis adequados de fósforo.

Créditos: B. Dobenecker

Como são calculadas as necessidades diárias de nutrientes?

A abordagem básica para estabelecer as quantidades diárias recomendadas que atendem às necessidades da maioria da população consiste em determinar as necessidades reais de cada nutriente durante as diferentes fases da vida, levando em consideração o fato de que a biodisponibilidade varia de acordo com a fonte de nutrientes. Existem várias formas de estimar essas necessidades. Estudos experimentais podem ser realizados para avaliar a relação dose-efeito de um determinado nutriente e elucidar o que acontece quando o aporte é insuficiente, suficiente e excessivo; no entanto, esses estudos precisam ser altamente padronizados, com a seleção cuidadosa de parâmetros-alvo adequados para avaliar o efeito do nutriente estudado. A definição desses parâmetros para o cálcio e o fósforo é bastante complexa. Por um lado, pode haver um longo período de latência desde o início da desnutrição até o aparecimento de sinais clínicos específicos. A homeostase de cálcio e fósforo é rigorosamente controlada, e as concentrações séricas podem ser mantidas normais por muito tempo, mesmo em caso de deficiências graves. Por outro lado, sabe-se que fatores como a relação de cálcio:fósforo da dieta, a ingestão de energia, a taxa de crescimento e qualquer predisposição genética para doenças esqueléticas agravam os sinais clínicos. As necessidades de cálcio e fósforo para os cães em crescimento, definidas pelo NRC 5baseiam-se em estudos realizados com cães de raças grandes e gigantes, principalmente filhotes com menos de 6 meses de idade, e os dados obtidos são extrapolados para cobrir toda a fase de crescimento dos cães de todos os portes. O objetivo era “atender ou exceder” as necessidades de todos os cães em crescimento; então, fazia sentido deduzir as recomendações do grupo de cães cujas necessidades são mais elevadas, ou seja, filhotes jovens de raças gigantes. No entanto, esse método não leva em consideração as diferenças individuais, e o período crítico de intensidade máxima de crescimento difere em termos de duração entre raças caninas pequenas e grandes. Enquanto o crescimento das raças grandes e gigantes dura até 12-15 meses de idade, as raças pequenas podem atingir seu peso corporal final em 7-8 meses; portanto, extrapolar os dados provavelmente irá superestimar as necessidades de cães de raças pequenas. Além disso, se os dados da primeira fase de crescimento forem usados para deduzir as necessidades de todo o período de crescimento, as necessidades da última fase de crescimento, quando o ganho de peso diário diminui, serão superestimadas.

Linda Böswald

As necessidades de cálcio e fósforo para cães em crescimento baseiam-se em estudos realizados com cães de raças grandes e gigantes, principalmente filhotes com menos de 6 meses de idade, e os dados obtidos são extrapolados para cobrir toda a fase de crescimento de cães de todos os portes.

Linda Böswald

Cálculos nutricionais

Outra abordagem para determinar a ingestão diária ideal de um nutriente baseia-se em um cálculo fatorial, o qual soma as quantidades necessárias para manutenção e desempenho. A vantagem desse método é que ele leva em consideração as necessidades individuais precisas (exatas) para uma determinada fase da vida e vem sendo usado com sucesso em animais de produção, por exemplo, para determinar as porções ideais para o gado leiteiro e  os suínos de engorda. Nos cães em crescimento, os fatores a serem determinados são o ganho tecidual durante o crescimento e as necessidades de manutenção para o peso corporal atual 25. A necessidade de manutenção corresponde à quantidade necessária de um nutriente para compensar as perdas endógenas inevitáveis através de fezes, urina, suor, pele, pelos, etc.; uma vez quantificadas essas perdas, obtém-se a "necessidade real de manutenção" de um nutriente. Contudo, o organismo não absorve 100% da quantidade de um nutriente ingerido; por isso, é necessário levar em consideração a disponibilidade real para obter a “necessidade bruta de manutenção” ou a ingestão recomendada 26.

A equação é a seguinte:

Ingestão recomendada de manutenção = e/disponibilidade [%] x 100

(onde e corresponde a perdas endógenas)

É claro que a ingestão global recomendada é fortemente influenciada pela disponibilidade de um nutriente; se a disponibilidade média for reduzida pela metade, a quantidade recomendada dobra. A disponibilidade de minerais varia de acordo com as fontes e a composição geral do alimento; portanto, para garantir a ingestão adequada, incorpora-se uma margem de segurança à disponibilidade média.

Na equação, também se deve incorporar o ganho tecidual durante o crescimento, levando em conta a quantidade adicional de nutrientes, conforme indicado abaixo:

Necessidade real para o crescimento = Ganho médio diário x concentração de nutrientes no ganho tecidual

Assim, a ingestão recomendada para o crescimento pode ser calculada a partir disso,  como se segue:

(e + necessidade real para o crescimento)/disponibilidade [%] x 100

A espécie canina possui uma variabilidade excepcionalmente alta em termos de porte e peso corporal; por isso, ao fazer a curva de crescimento de um determinado filhote, é importante estimar corretamente o peso adulto futuro (com base no peso ideal do progenitor do mesmo sexo ou, se este dado não estiver disponível, segundo o peso médio do padrão da raça). Também há diferenças na taxa de crescimento entre raças pequenas, médias, grandes e gigantes; por essa razão, é necessário classificar os cães de acordo com seu peso corporal adulto para definir melhor a ingestão recomendada de cálcio e fósforo. Além disso, como o crescimento não é um processo linear, a utilização de faixas etárias permite uma maior diferenciação para as recomendações. As necessidades de ganho tecidual são maiores durante a fase inicial de crescimento; em seguida, essas necessidades diminuem à medida que o cão se aproxima do peso adulto. As necessidades de manutenção então representam a maior parte das necessidades totais de energia e nutrientes. No cálculo fatorial para o cálcio e o fósforo, ambos os aspectos devem ser levados em consideração.

Existem diferentes maneiras de expressar as recomendações de alimentação. O NRC fornece os valores na forma de energia metabolizável (EM). O valor absoluto calculado com o uso dessa referência depende das necessidades energéticas, o que pode diferir consideravelmente da média em determinados casos. Por exemplo, pode-se prever que as necessidades de EM de um filhote da raça Terra Nova sejam menores do que as de um Dogue Alemão de mesma idade e peso corporal em função das diferenças de temperamento e atividade. Como alternativa à EM de referência, é possível relacionar a ingestão diária recomendada com o peso corporal metabólico (kg0,75). Como vantagem, isso permite o cálculo das necessidades exatas – e, portanto, a recomendação de uma dieta balanceada e precisa – para cada cão individualmente, embora as informações sobre o conteúdo necessário de nutrientes no alimento não sejam fornecidas diretamente. Isso precisa ser calculado em cada caso, utilizando a necessidade individual de EM.

A Tabela 1 mostra as recomendações de cálcio e fósforo para filhotes com base em várias idades e grupos de peso corporal adulto, e o Quadro 1 ilustra um exemplo das diferentes etapas que devem ser seguidas para o cálculo em um filhote alimentado com uma dieta comercial.

Tabela 1. Necessidades de cálcio e fósforo para cães em crescimento, em relação ao peso corporal metabólico (kg0,75) (adaptada a partir da referência 26).

Peso corporal adulto (kg) 10 35 60
Idade atual (semanas) Cálcio (mg/kg0,75)
9 550 - -
13 436 634 776
17 361 512 610
22 339 479 565
26 335 466 542
31 316 444 519
35 251 350 405
39 217 300 348
44 213 294 342
48 193 266 306
52 187 258 296
Idade atual (semanas) Fósforo (mg/kg0,75)
9 352 - -
13 197 291 362
17 158 225 269
22 151 213 251
26 152 210 244
31 141 196 227
35 124 172 197
39 121 166 190
44 125 171 196
48 116 158 180
52 114 155 177

 

Quadro 1. Etapas para calcular as necessidades de cálcio (Ca) e fósforo (P) para “Max”, um filhote de Pastor Alemão de 22 semanas com peso corporal atual de 20 kg e peso corporal adulto estimado de 35 kg.

1

Para Max com 22 semanas e peso corporal adulto estimado de 35 kg, a Tabela 1 fornece uma recomendação diária de 479 mg de Ca/kg0,75 e 213 mg de P/kg0,75. Utilizando seu peso atual de 20 kg, as necessidades absolutas de cálcio e fósforo são calculadas da seguinte forma:

  • Ingestão diária recomendada de Ca: 479 mg x 200,75 kg = 479 mg x 9,46 kg = 4.530 mg (ou 4,5 g)

  • Ingestão diária recomendada de P: 213 mg x 200,75 kg = 213 mg x 9,46 kg = 2.014 mg (ou 2,0 g)
2
Caso se faça uso de um alimento seco comercial, é essencial verificar se o teor de cálcio e fósforo da dieta escolhida é adequado para o filhote no estágio atual de sua fase de crescimento. Assumindo uma necessidade energética diária de 7,0 MJ de EM (1.673 kcal) 4, o conteúdo mineral (ou seja, de Ca e P) necessário na dieta pode ser calculado da seguinte forma:
  • Teor de cálcio 4,5 g/7 MJ de EM = 0,64 g de Ca por MJ de EM (2,69 g de Ca/1.000 kcal de EM)

  • Teor de fósforo 2,0 g/7 MJ de EM = 0,29 g de P por MJ de EM (1,20 g de P/1.000 kcal de EM)
3

O tutor escolheu um alimento seco, completo e balanceado, para cães de raças grandes em crescimento, contendo 1,6 MJ de EM (382 kcal) por 100 g, 1,1% de cálcio e 0,7% de fósforo, com uma relação de Ca:P igual a 1,6:1. O primeiro passo é calcular a quantidade diária de alimento que cubra as necessidades de EM para o Max, conforme indicado abaixo:

  • 7 MJ de EM/1,6 MJ de EM x 100 g = 438 g

4

Em seguida, é necessário verificar se a quantidade de cálcio e fósforo fornecida pela dieta atende às necessidades. Para isso, os cálculos podem ser feitos em relação ao teor de EM do alimento (i), ou em valores absolutos para cada cão individualmente (ii).

(i) Em relação à EM, o conteúdo mineral é calculado da seguinte forma:

  • 1,1 g de Ca por 100 g → 1,1 g de Ca/1,6 MJ de EM = 0,68 g de Ca/MJ de EM (2,88 g de Ca/1.000 kcal de EM)

  • 0,7 g de P por 100 g → 0,7 g de P/1,6 MJ de EM = 0,43 g de P/MJ de EM (1,83 g de P/1.000 kcal de EM)

Portanto, o alimento deste exemplo atende às necessidades de cálcio e fósforo por MJ de EM (de acordo com o cálculo da etapa 2).

(ii) Outra opção é calcular o aporte absoluto de ambos os minerais da seguinte maneira:

  • 1,1% de Ca em 438 g de alimento → 1,1 x 438/100 = 4.818 g de cálcio fornecido com essa quantidade

  • 0,7% de P em 438 g de alimento → 0,7 x 438/100 = 3.066 g de fósforo fornecido com essa quantidade

Os valores devem ser comparados com as necessidades absolutas do Max (conforme calculado na etapa 1) e, nesse caso, pode-se verificar que suas necessidades foram atendidas.

Para a rotina alimentar, a porção diária pode ser pesada e armazenada em um pequeno recipiente; assim, se o tutor quiser dar petiscos ao Max para o adestramento, poderão ser utilizados os croquetes da porção já medida, sem o risco de fornecimento adicional de energia (Figura 4).

Para facilitar o adestramento de Max, o tutor deve recompensá-lo com os croquetes retirados de sua porção diária recomendada.

Figura 4. Para facilitar o adestramento de Max, o tutor deve recompensá-lo com os croquetes retirados de sua porção diária recomendada.

Créditos: Shutterstock 

Caso um tutor deseje alimentar seu cão com uma dieta caseira, deve-se levar em consideração que, na maioria das receitas, é necessário suplementar com vitaminas e minerais para atender às necessidades diárias e, dada a variedade de suplementos disponíveis, deve-se calcular a quantidade de cada nutriente fornecido pela dieta para compará-lo com as necessidades do animal e permitir a seleção do produto certo (Figura 5). A Tabela 2 mostra um exemplo de uma dieta caseira em que são necessários 20 g de um suplemento mineral com 22,5% de cálcio e 10,5% de fósforo para atingir a quantidade diária recomendada desses minerais. Observe também que a relação de cálcio:fósforo da dieta (1,3/1) está dentro do limite ideal (faixa recomendada 1/1-2/1). Todavia, para atender às necessidades, a quantidade de suplementação diária deve ser aumentada quando o aporte de nutrientes é menor, mas diminuída se esse aporte for maior.

Tabela 2. Possível dieta caseira formulada para atender às necessidades de um filhote de Pastor Alemão de 22 semanas de vida, com peso atual de 20 kg e peso adulto estimado de 35 kg.

Item alimentar Quantidade [g/d]
Energia
[EM em MJ]
Cálcio
[mg]
Fósforo
[mg]
Carne bovina 600 4,8 24 1188
Batatas cozidas
250 0,5 15 115
Vegetais 100 0,2 34 30
Frutas 100 0,2 11 16
Óleo vegetal 15 0,5 0 0
Óleo de peixe 5 0,2 0 0
Tripa desidratada mastigável 30 0,6 27 54
Suplemento 20 0 4500 2100
Total na alimentação animal 7,0 4611 3503
Ingestão recomendada 7,0 4530 2014
Como existe uma variedade impressionante de suplementos multivitamínicos e minerais disponíveis, os tutores devem ser orientados pelo médico-veterinário na escolha de um produto adequado às necessidades do seu cão.

Figura 5. Como existe uma variedade impressionante de suplementos multivitamínicos e minerais disponíveis, os tutores devem ser orientados pelo médico-veterinário na escolha de um produto adequado às necessidades do seu cão.

Créditos: B. Dobenecker

Considerações finais

As necessidades de energia metabolizável e de nutrientes mudam durante o crescimento; por isso, é indispensável a avaliação adequada das necessidades nutricionais do filhote para realizar os ajustes necessários na alimentação. Embora em teoria seja pertinente avaliar o filhote a cada dois meses quando seu crescimento segue a curva de crescimento recomendada, todos os filhotes devem ser pesados semanalmente, e o peso corporal comparado com a curva de crescimento ideal para monitorar o progresso. Se ocorrer um desvio do peso corporal ideal, a alimentação (e, em particular, a energia [EM] fornecida) precisa ser adaptada imediatamente. Para simplificar, este artigo fez referência apenas à energia metabolizável, bem como ao cálcio e fósforo, mas, em geral, ao revisar as necessidades nutricionais de um paciente, as necessidades de todos os minerais, oligoelementos e vitaminas devem ser levadas em consideração. Embora os cálculos não sejam difíceis, as fórmulas destacam a necessidade de levar em conta todos os fatores requeridos para proporcionar uma nutrição balanceada.

Referências

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Linda Böswald

Linda Böswald

A Dra. Böswald estudou medicina veterinária na Universidade Ludwig-Maximilian de Munique, onde continuou a trabalhar após se especializar em nutrição animal. Leia mais

Britta Dobenecker

Britta Dobenecker

Depois de se formar na Escola de Medicina Veterinária de Hannover, a Dra. Dobenecker fez doutorado no Instituto de Química Fisiológica em Hannover e no Instituto de Nutrição Animal em Munique. Leia mais

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